quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Desejos

"Nem seu marido ou o seu despertador vão me tirar de sua cama..."

Hoje foi o último dia de aula... Um ano e meio e é o fim da pós. Agora, só falta o mais difícil, o TCC. Nada de despedidas. A turma se sente unida, mesmo que fiquemos anos sem nos ver. A internet ajuda....

Na aula falamos sobre desejos... Os caminhos que o desejo segue... Nada mais a calhar nesse período em que quase todos aparentemente desejam tudo, mas que de verdade, para boa parte, lá no fundo, desejar mais do que se tem parece até ofensa pessoal, pecado mortal.

Desejar é mesmo ambivalente. Algo que pode ir em direção à vida, mas também em direção à morte. Não, isso não tem a ver com tendência suicida. Tem a ver com como se quer levar a vida. O fato é que o desejo é algo sem controle. É mesmo onipotente e impotente e, como diz a professora, "atravessa" a gente. Gosto de dizer que o desejo faz o corpo da gente doer.

Em outra aula, outro texto, saquei uma coisa que me deixou aterrorizada em princípio. Depois passou, mas perceber que o desejo perturba a felicidade pode fazer qualquer um ficar pensativo. Mas a explicação é tão simples e clara (para quem quer ver) que o susto não dura muito: o desejo é uma força que leva as pessoas a avançar. E nem sempre é fácil enfrentar as conseqüências de andar pra frente. Às vezes é mais cômodo ficar parado onde se está, na vidinha habitual, sem pensar muito no que acontece em sua volta. Se está tudo encaixadinho, se estamos ganhando o jogo, pra que desejar mais, pra que mudar o time, arriscar? E pergunto: por que não desejar mais??

Pra mim há tanta coisa a se avançar: novas amizades e relações, transformar as velhas relações, um novo trabalho, desafios, desvendar códigos.... Mas, sempre, avançar... Mesmo se for pra dizer não para o que parece quase óbvio dizer sim. Fico a me perguntar até onde o meu desejo vai me levar, o que eu sou capaz de fazer, e até onde eu vou suportar a ameaça de ver minha felicidade ruir. É um risco porque a gente pode sonhar com algo que, de verdade, não quer. O bom é pensar que a ameaça do mundo cair na sua cabeça também pode não virar. A vida é tão imponderável.... Por que evitar o que nos atrai? E quando lembro do que já fiz pra correr atrás do desejo percebo que foi tão bom... Nada ruiu. Só construiu.

Mas, na aula de hoje, falávamos que muitas vezes desejamos algo que não existe. Ou desejamos do Outro algo que ele não tem, ou que imaginamos que ele tem, ou queremos que ele tenha. Isso me parece mais perigoso. Mas, será que nunca dá certo? É quebrar a cara na certa ter expectativas em relação aos outros? Será que não dá mesmo pra cantar como o Ira! "Eu quero sempre maaaais"?

Não, não pode ser bem isso. É só que não dá pra buscar no Outro aquilo que a gente não tem, concluimos. Buscar amor, companheirismo, atenção, paixão, compreensão em alguém quando lá dentro se é seco. Bem, pelo menos uma coisa eu sei: seca eu não sou. Tenho tudo isso e mais um pouco.

Ah, alguém deve me perguntar o que a frase no começo tem a ver com tudo isso: nada e tudo, acho? É só para lembrar da tradução livre que o velho e bom Ciro fez de uma música espanhola que ele adora e cujo autor eu já esqueci. Ficou cantarolando no carro enquanto levava ele pra casa. Última carona da pós. Aquelas coisas que você tem que registrar na hora, senão esquece.

3 comentários:

Anônimo disse...

Vivi... nossa despedida foi como mais um dia de aula comum... que bom assim. Não é muito comum encontrarmos pessoas nesta caminhada preparadas para trocar idéias dentro dessa profundidade de assuntos na qual nos relacionamos durante 1 ano e meio. Creio que estamos bem melhores hoje depois de tanto escarfunchar no desconhecido. O nosso desejo nos levou até aqui. Com certeza desestabilizou algumas coisas nos tirando de uma "zona de conforto". Mas também demos um passo à frente compreendendo melhor a "desgraça" e a delícia que é esse mundo.

Sempre por perto,

Edu

Anônimo disse...

O desejo... o grande impulso, a força motriz... Sem ele não dá. Não haveria vida nem diversidade. E vc colocou muito bem quando disse que não podemos cair na ilusão de desejar do Outro aquilo que não lhe pertence, ou não nos pertença: é aí que o desejo se torna ilusório e nos leva à decadência... Acredito que só nos tornamos mesmo donos de nós quando conhecemos e controlamos nossas emoções, das quais o desejo figura entre os tops... Parabéns pela conclusão da pós! Boa sorte!

Anônimo disse...

Pode que as redes tragam
Pescoços rotos, negras penas de gaivota.
Que tremam os faróis
As rádios calem e se derrube esta cidade
Pode que me tire de teus braços
Teu marido ou o despertador
Que te interrompa o café-de-manhã
O vôo de um B-52

Pode que tudo siga igual
Também pode que não seja assim
E aches o mercúrio
De minha voz empapando tua secretaria eletrônica,
E floresçam as oliveiras no vale de Hebron
Pode que te que o gelo
Ou a luz do televisor

Pode que te cite o parlamento
E decrete o branco-e-negro
Que riam anjos feridos
Na última página
Que alimentando-se de fumaça
Se quebre como cristal essa mulher
Que suba uma serpente
Por suas pernas infinitas. Pode ser

Pode que tudo seja igual,
Também pode que não seja assim
Talvez bandeiras brancas
Tua habitação alumbrem
E meu amor este perto
E os deuses duvidem
E este seja um bom principio
Principio de incerteza
Pode que te salves, pode
Que amanheças comigo
E as espadas se enterrem.

Pode que tudo siga igual
Também pode que não seja assim
E aches o mercúrio
Da minha voz empapando tua secretaria eletrônica
Y floresçam as oliveiras no vale de Hebron
Pode que te queime o gelo
Ou a luz do televisor
Uma possibilidade existe
De que amanheças comigo
E os canhões se oxidem

Puede que las redes traigan
cuellos rotos, negras plumas de cormorán,
que tiemblen los semáforos,
las radios callen y se derrumbe la ciudad.
Puede que te saque de mis brazos
tu marido o el despertador,
que te interrumpa el desayuno
el vuelo de un B-52.

Puede que todo siga igual.
También puede que no sea así
y encuentres el mercurio
de mi voz empapando tu contestador,
y florezcan los olivos en el valle de Hebrón.
Puede que te queme el hielo,
o la luz del televisor.

Puede que te cite el parlamento
y decrete el blanco y negro,
que sonrían ángeles heridos
en la sección de sucesos,
que alimentándose de humo
se quiebre cual cristal esa mujer.
Que trepe una serpiente
por sus piernas infinitas. Puede ser.

Puede que todo siga igual.
También puede que no sea así.
Quizás banderas blancas
tu habitación alumbren
y mi amor esté cerca
y los dioses duden.
Y este sea un buen principio,
principio de incertidumbre.
Puede que te salves. Puede
que amanezcas conmigo
y las espadas se entierren.

Puede que todo siga igual.
También puede que no sea así
y encuentres el mercurio
de mi voz empapando tu contestador,
y florezcan los olivos en el valle de Hebrón.
Puede que te queme el hielo,
o la luz del televisor.
Una posibilidad existe
de que amanezcas conmigo
y los cañones se oxiden.