sexta-feira, abril 21, 2006

Só posso te escutar

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Inconsciente, na mesa de cirurgia, você balbuciou o meu nome?!
Você está enlouquendo...
Você me ama, mas o que posso fazer por você?
Só posso te escutar... e te compreender.
Este é o meu limite.

Observo imóvel todas as tuas tentativas de me tocar.
E me esquivo.
Escuto quieta todas as tuas palavras de carinho.
E também todos os seus desejos obscenos.
Mas tudo o que posso fazer é escutar.

Sei que isso não serve para você.
Mas você tem que saber que eu não sirvo para você.
Eu só entendo a sua loucura.

Porque também sou capaz de ser tão obsessiva.
E já cheguei bem próximo da loucura, como hoje você está.

Mas aprendi.
Hoje eu posso até chorar.
Talvez eu chore como você na única vez que me escreveu.
Mas nunca, nunca vou enlouquecer por amor como você quer enlouquecer.

quarta-feira, abril 19, 2006

O desafio

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A Marina desafiou e eu aceito de bom grado.
A brincadeira é a seguinte: confessar cinco manias e passar a bola pra outras cinco seguirem.
Vou atrás dos passos da Marina e passo a bola primeiro: Dani, Ana, Sandra, Del e Nadia. Coloco seu link, Dani?

A próxima etapa é mais difícil: selecionar as manias. Porque mania é vício e virtude que nem sempre a gente está disposto a reconhecer. Por isso, demorei pra responder.
Então, vou começar com as mais básicas e termino com as mais vergonhosas de confessar. Mas vamos lá:

1 – Eu não saio de casa sem brincos. Sem eles me sinto nua. Mesmo atrasada já cheguei a voltar pra casa para colocar brincos esquecidos em cima de alguma cômoda. Já comprei pares na rua ao perceber que estava sem. E, de vez em quando, ando com pares sobressalentes na bolsa para não correr nenhum o risco.

2 – Eu sempre passo batom no trânsito. Dentro do carro, parada no farol, na direção ou não. Raramente saio de casa com lábios pintados. O batom é quase um equipamento do carro. E, ao colorir os lábios, lembro automaticamente da personagem da Isabela Garcia na novela Bebê a Bordo, novela babaca que eu não consigo esquecer. Tudo por causa de um namorado na produção (ehhrrr!!). A garota passava batom no ônibus sacolejante e não borrava nada. Que inveja! Só na novela mesmo!

3 – Eu durmo de meia. Podem rir à vontade. Adoro uma meinha. Uma vez, fui dormir na casa da Beth e esqueci a meia. A menina morava do lado do zôo e fazia lá um frio daqueles. Aí, pedi a meia. Morrendo de rir, ela me emprestou um par do marido, que não estava lá. Só deixo as meias de lado se o calor está infernal. Ou se... bem, essa é outra história.

4 - Eu encaro as pessoas na rua. Mania de criança. Lembro do meu pai na feira me dando o maior bronca: ‘Menina, para de encarar os outros. Qualquer dia você vai levar uma na orelha’. Mas não consigo parar. É como se eu procurasse incessantemente alguém que não sei quem é. Sempre olho pra perfis, na esperança de ser um velho conhecido, um velho amigo, um velho amor. Quando alcanço os olhos da pessoa, o estranho, disfarço rapidamente, viro a cara, como uma imbecil. Dá pra contar nos dedos o número de vezes que encontrei alguém assim.

5 – Eu sempre imagino a morte das pessoas que amo. Mania esquisita. Já me achei maluca por causa disso. Agora, nem ligo mais. Sinto minha reação e depois penso na minha própria morte, de como as pessoas reagiriam. Isso parece pesado, e deve ser mesmo. Mas também é uma mania de criança. Comecei pensando na morte de meus pais, depois na do meu irmão... Cresci e a morte de meus melhores amigos e amores passaram a fazer parte dos meus pensamentos. Há tempos conclui que é uma forma de preservar quem eu amo e desencanei. Deixo o pensamento mórbido vir e espero que ele passe rápido. Com quase 40, é impossível impedi-lo. É como se eu, imaginando a morte de quem amo, a evitasse. Só uma morte eu não ousei imaginar. E essa foi a única que me atingiu.

segunda-feira, abril 17, 2006

O nome da coisa

Hipoglicemia reativa. É este o nome da coisa.

Não é doença. É um problema. Graças a ela tenho deliciosas tonturas, como se sozinha eu tivesse bebido uma garrafa de bom vinho, mas nas horas mais impróprias. Deliciosa tontura que não posso ter.

Acontece por causa de uma confusão entre insulina e glicose dentro do meu corpo. O organismo não consegue absorver o açúcar com a rapidez necessária. No limite, vira diabetes. No meu caso, está controlada, mas a taxa precisa continuar a cair.

Hoje, enquanto a médica ia me explicando o que acontece, tentando fazer com que eu entendesse a relação entre insulina e glicose, e como eu tinha conseguido baixar a taxa desde a última consulta, eu só pensava nos cinco ovos de chocolate que a Bia ganhou na Páscoa. E pensava mais ainda no pedaço de bolo de pêssego que deixei na geladeira.

Eu ainda tentei argumentar: "Então, o ovo de chocolate..." E ela me cortou: "Ovo de Páscoa nem pensar", respondeu a insensível. E eu pensei: "Foda-se. Vou comer é aquele bolo".

Nem perguntei pra ela da cerveja. Pelo menos as destiladas devem estar liberadas.
Quanto ao bolo? Bem, este já era.

Breve nostalgia

Hoje acordei meio nostálgica.

Não devia. A lógica indicava um dia triste, deprê mesmo. Afinal, ontem sai do jornal quase meia noite e menos de oito horas depois já tinha que estar lá de volta. A manhã estava cinza, fria e chovia. E eu, atrasada.

Mas, mesmo com tudo contra, amanheci com aquele leve bom humor, uma doce nostalgia, e lembrei dos meus amigos.

Penso que passamos por amigos ao longo da vida. Há sempre os bons, os muito bons e os dispensáveis. Há aqueles que, ao cruzarem com você, te acompanham para sempre, sem perder um capítulo de sua vida. E há os que nunca serão amigos de verdade: serão só personagens, às vezes até importantes, mas de um período.

Mas hoje lembrei-me dos meus amigos de alma. Que todos os outros me perdoem. Mas há pessoas que conhecemos e passam a fazer parte da gente.

Gosto de pensar que são meus amigos de alma porque me enxergo neles. Uma reação, um jeito de olhar ou falar, um movimento de corpo, tudo é familiar. Sei quem sou através deles. E sei o que eles dizem através de mim. Às vezes nem precisamos falar. Apenas sabemos uns dos outros. Esses são amigos raros.

É um grupo que teve sua base forjada nos mesmos sonhos. Não importa se os sonhos não viraram realidade. Não importa se ficamos anos sem nos falar. Quando nos reencontramos, é como se o tempo não tivesse passado. E quando estamos juntos, somos um só. "É sua turma, querida", diz a também querida Ana.

Ao reencontrá-los, volto a me entender. O que é confuso, fica límpido. E o coração que pesa, deixa de pesar.

terça-feira, abril 11, 2006

Um dia

de manhã...
o corpo deitado na cama...
a brisa batendo nos seios...
os sons da casa:
o cachorro comendo
alguém no banheiro
a respiração da criança
o tictac...

os sons da rua:
ônibus
caminhão
latido

a nuca, as costas e os pés nos lençóis...
o cabelo molhado...
um pezinho infantil na costela...

à tarde...
só tensão, raiva e dor

à noite...
o peso do corpo sobre os ombros

abro os olhos e vejo:
unhas dos pés pintadas contra um teto manchado

relaxo
respiro
te abraço

sábado, abril 08, 2006

Transbordar

Estou transbordando...
Transbordando de sentimentos e sentimentalismos

Penso em você a cada minuto
Acordo e durmo com você no meu coração, a meu lado, na minha mente

Um sentimento tão bom, tão simples, tão meu
Sentimento que não sei nem se quero compartilhar com alguém

Que me esquenta por dentro, que me deixa toda dolorida, com uma vontade louca de chorar, mas sem lágrimas para derramar

O que é isso? É o mais puro amor que pode existir, eu sei
Amor que parece não ter espaço na vida real

Só sei que, quando te vejo, o que parece que vai explodir, de repente se acalma, sem pressa de acontecer

segunda-feira, abril 03, 2006

"Quem é você?"

Eu perguntei no meio da escuridão.

Você apareceu não sei de onde e tentou me arrancar do meu esconderijo...

Eu lá, atrás da coluna negra, encolhida, nem vi teu rosto.
Senti teu abraço, teu calor, tua barba mal feita roçando o meu rosto e ouvi seu apelo: "Sai daí".

Mas te senti e não te vi. Não te reconheci.
Os meus olhos estavam encharcados, os meus óculos embaçados e minha maquiagem já devia estar borrada.

Você tentou me tirar de lá...

Você me seguiu? Como descobriu que estava ali? Ninguém mais me viu...
Meus íntimos não me viram.

Sai do meio daquela multidão sem dar sinal a ninguém...
Fui me afundar em um lugar só, a batida fazendo vibrar meu corpo... esquecer...

"Sai daí", você pediu. "Eu nem sei quem é você", retruquei.
"Eu não estou te dando uma cantada".
"Eu sei".

Eu sempre soube...

domingo, abril 02, 2006

Pelo menos um fruto

Se esse blog não virar nada, se acabar apenas se transformando em um painel de palavras soltas, sem sentido, ou com sentido apenas pessoal....
Se esse blog um dia eu apagar e esquecer, pelo menos um fruto ele teve: de tanto encher a Dani , ela também voltou a escrever.
Estão, aí vai mais uma dela. Um poema que eu não sei o título:

"como se estivesses junto a mim, eu te saúdo.
não ouso olhar de lado,
para que eu não fique de frente com a verdade

ensaios de um sorriso amargo e fútil,
o faz-de-conta, a insistência, o inútil passatempo.
a impaciência disfarçada em letargia.
um vago olhar que não admite a agonia.
a mesma sala, a janela, o mesmo canto.

silente canto a madrugada principia.

em vão o desdenhar. nada convenço.
é tudo aqui. é tudo imenso. tudo agora.

se calo, a minha mente me ignora.
e embora não lamente, sei que falo.
inalo o que evapora do ambiente,
outrora tão da gente a perfumá-lo

te trago mais pra mim, no pensamento,
e invento que o presente é o passado,
que a chuva na janela não existe,
que o beijo inda divide o mesmo trago,
as mãos não se deixaram à própria sorte,

que a fala vem da mímica das línguas bailando pela química das bocas,
que as pernas se assemelham aos nossos braços no tanto dos abraços que nos
damos, que os olhos que são teus, são meus iguais, pois vêem só nós dois e ninguém
mais

...tudo o pensamento dulcifica.
mas o que fica é esse gosto amaro
pela certeza de um não-momento
contando o tempo de uma noite em claro."

sábado, abril 01, 2006

O esconderijo perfeito

A Bia sempre me faz voltar ao passado. Me faz voltar a uma época da qual eu lembro pouco, não porque não queira, mas porque perdi o estímulo de ficar lembrando. Mas ela, a pequena tirana de 5 anos, sempre quer que eu volte: “Mãe, me conta história de quando você era criança”, ela pede, derretida, pra eu contar pra ela a minha história, que é a sua própria história, tão singela, sem nada demais, como tantas outras histórias de crianças nesse mundo. Mas essa é a nossa, o que a faz única e importante.

Outro dia escarafunchei a memória para contar-lhe o pouco que guardei da minha avó. Minha avó que morreu quando eu tinha pouco mais de 4, ela não tinha nem 60, mas de quem eu tenho as mais doces lembranças. Ela era miúda, mais ainda que eu, diz meu pai, mas pra minha visão infantil ela era muito grande. Fecho os olhos e sinto ainda seu cheiro acre, a vejo pela cozinha mexendo nas panelas, sinto o gosto de sua macarronada com carne moída e me vejo encantada com a cor de seu arroz com colorau.

Me colocava em cima de um cadeira pra consertar minhas roupas (eu ficava da altura dela) e dizia “Quieta, menina, senão eu te espeto”, enquanto ajeitava a barra no meu vestido que nunca era novo, era sempre reformado de alguma menina mais velha... Lembro de seu cabelo armado e cinzento, de suas mãos morenas e enrugadas, dos seus óculos, da sua saia abaixo do joelho, também cinza....

Mas lembro principalmente de vê-la chegando em minha casa. E é a história predileta da Bia, que morre de rir quando eu conto, talvez porque nessa hora ela imagine que é exatamente como eu era.

Morávamos em um sobradinho no fim de uma vila particular na Água Rasa (nome sempre intrigante e sonoro pra mim... Água Rasa... Rasa por quê? Qual riacho deveria ser esse, em que canal de esgoto deve ter se transformado...).

Meu quarto tinha a janela pra frente, meu castelo, de onde eu via a ruazinha de paralelepípedos que levava até o pátio final da vila. Daquela janela eu via aquela figura miúda e gigante chegando, seguida pelo moleque de cabelos raspados na nuca, como se usava naqueles tempo, bermuda nos joelhos, camisa branca e óculos de aro preto, meu tio Carlinhos, irmão caçula do meu pai, que era o irmão mais velho.

Só aquela visão já me excitava, me enchia de felicidade. Vê-la da janela, preparar-lhe uma surpresa.... A avó vinha nos ver, eu e meu irmão mais velho. Mas hoje acho que vinha principalmente me ver, a única menina daquela mulher que tinha tido cinco filhos, todos homens, e que tinha tido o infortúnio de perder a primeira vida feminina com seu sangue (minha irmã), morta na mão de um médico famoso, mas inábil.

Aquela bebê que morreu poderia ter permitido a ela, mulher-avó, realizar seu provável sonho de costurar vestidinhos com rendas e comprar bonecas e exercitar mimos delicados. Porque os meninos deviam ser criados com mais dureza e as meninas podiam ser sempre mais delicadas. A menina aliviaria a aspereza de sua vida.

Mas a morte inesperada adiou seu provável sonho em seis anos, até que eu nasci, num mês de muito frio. E fui mesmo muito mimada na infância, por avós, tios e tias... Sempre por ser mulher e caçula e miúda e rouca e por andar na ponta dos pés. Cada ano, enquanto eu crescia, sempre havia um novo motivo para um pouco mais de mimo....

Mas era a minha avó chegando naquela viela e eu me escondia no melhor lugar da casa: embaixo do lençol. É engraçado como acreditava que desaparecia. As crianças acreditam. A Bia repete a brincadeira e acredita... Mesmo sob o lençol, a cama, pra criança, é lisa, sem rugas ou obstáculos. E eu ficava na expectativa ouvindo seus passos subirem a escada, e minha avó entrava no quarto, e perguntava por mim, e alguém dizia que eu tinha saído, e ela se sentava sobre mim, e eu ria, e dizia “Vó, estou aqui”, e ela se fingia de surpresa e ria, e nos abraçávamos e beijávamos, e, e, e.

Não sei por quê, mas dia desses contando essa história pra Bia não consegui deixar de chorar (choro agora ao escrevê-la). Deitadas na cama, a Bia gargalhando e as minhas lágrimas escorrendo sem parar, sem que eu conseguisse evitar... “Por que você está chorando, mãe?”. “Acho que é saudades da minha avó, Bia”.

Ela não disse mais nada, não perguntou mais nada, só ficou me olhando, com aqueles olhinhos de jabuticaba. E eu achei bom. Não saberia explicar se é saudades da avó, bisavó dela, ou daquela menina que tinha talvez 3 anos e que acreditava que o lençol sobre ela era o esconderijo perfeito. Porque os esconderijos perfeitos não existem. E também não existe mais a menina. Existe só alguém que eu sempre achei que conhecia, mas que me surpreende a cada dia.