sábado, agosto 23, 2008

O que é a paixão, doutor?

O terapeuta familiar Robert Neuburger afirma que esse sentimento altera a percepção da realidade*

Marie Claire - O que é a paixão?
Robert Neuburger - É o abandono da vigilância. A paixão invade, pode fazer com que você negligencie os filhos, o trabalho, tudo. A paixão se organiza dentro da ansiedade e da urgência. O sentimento primordial é a necessidade absoluta do outro.

MC - O que provoca esse estado? O encontro com alguém especial?
RN - Não, esse estado precede o encontro com a pessoa que vai se transformar no objeto da paixão. Corresponde à necessidade de se sentir vivo. Geralmente, as pessoas se apaixonam quando estão se sentindo mal, insatisfeitas consigo mesmas e com os outros. Nessas situações, uma paixão faz a pessoa sentir que está vivendo intensamente. Claro que não se pode negligenciar a escolha da pessoa por quem se vai ficar apaixonado, mas o mecanismo passional vem antes. É acionado quando começamos a desejar algo que nos traga uma nova energia vital. A paixão toca no que existe de mais profundo na existência de cada um. É uma autoterapia excelente e um antidepressivo muito eficaz.

MC - É raro a paixão durar.
RN - Ela está ligada à vida e à morte. Ter amado passionalmente permite aceitar a morte. Mas não se deve ultrapassar a dose. Há um aspecto mortífero na paixão. Os apaixonados tendem a ir além de suas forças, com uma percepção alterada da realidade. O resto do mundo não existe mais, e isso não pode durar para sempre. Depois, tudo vai depender da maneira como a pessoa aterrissa: devagarinho, com lembranças maravilhosas, ou com amargor e arrependimento. A menos que a paixão se transforme em amor duradouro. E aí começa outra história.

* Por Isabelle Maury, da Marie Claire França
Tradução: Ana Ban

sexta-feira, agosto 22, 2008

Na minha nuca

Elas ficam lá, sentadas, balançando as perninhas, cada uma em um ombro meu, discutindo a minha vida, decidindo o meu destino. Se eu deixar, elas fazem minhas ligações e assumem a minha fala.
Uma se veste com um anjo bom, toda de prata. A outra usa uma roupa marrom escuro, meio avermelhado, brilhante também. Uma fala assim:
- Ele não te ama, ponha isso na sua cabeça!
A outra replica:
- Ah, ele a ama sim. Tenho certeza!

Uma me dá bronca:
- Você já andou tanto pra frente! Não vai recuar agora, né?
E a outra argumenta e passa a mão na minha cabeça:
- Tá querendo pensar mais? Pensa, você faz bem...

Eu adoro é ficar de fora da conversa delas, elas brigando debaixo do meu nariz, ou atrás do meu pescoço, na minha nuca, e eu só observando. Olho pra uma e depois pra outra, às vezes rindo, outras brigando: "Dá pra parar de falar você duas?"
Não adianta. Meu protesto é em vão. Elas nunca páram. Ainda bem.

- Muda de cabelereiro e faz um corte bem fashion!
- Não, não, deixa ele crescer!
- Ficaram ótimos estes óculos.
- Na verdade, acho que você escolheu mal.
- Eu te disse que isso não ia dar certo!
- Ela fez o que achou que devia!
- Chuta o balde!
- Vai com calma.
- Liga.
- Desaparece.
- Confia.
- Desiste.
- Esquece.
- Insiste.

Elas se parecem mesmo com o anjo e ao diabinho dos desenhos animados, a boa e a má consciência de cada um. Nunca sei direito quem é quem. Elas vivem trocando de lugar. A prateada fica marrom. A marrom fica prateada. Depois, quando presto atenção de novo, voltam como num estalo ao seu outro estado. Só sei que nenhuma delas é má de coração. E nenhuma é boa demais. Mas sei que as duas só me querem bem.

-

Papo cabeça

- E aí, fofa? Que cara de desânimo é essa. O que fez na folga?

- Nada demais. Só dormi, andei e trepei!

- Orra! E quer melhor?

-Ép! Acho que tá bom, né?

...

quinta-feira, agosto 07, 2008

Uma noite sem fim

Nem sei bem que horas são. Mais de uma, talvez duas, um silêncio, nenhum cheiro, uma luz acesa no corredor. Entrei quieta, a cabeça rodando, a bixiga explodindo. Na minha cama, ela dorme com o pai. Eles nem percebem que cheguei. Quero ir ao banheiro, estou com sede, o estômago está virado, mas não vou vomitar. Não é pra tanto. Sem acender a luz, entro no quarto pé ante pé para pegar o pijama, quero uma cama, mesmo que não seja a minha. Deito no quarto cor de rosa de criança, na minha velha cama de solteira, e tento colocar em ordem a noite.

A festa foi boa. Cheguei só, de táxi, minha amiga na porta à minha espera, vamos beber que é por isso que estou aqui. Conhecidos, beijos, oi, tudo bem, me dá cá um abraço, cadê a cerveja?

No pátio aberto, quem está faz apenas o social. Já sabe tudo o que vai rolar lá dentro, o que vai ser dito e o porquê. Lá dentro, um monte de gente, muitos interessados, outros quase dormindo, o pessoal que foi mesmo trabalhar.

Olha aqui: esta é minha amiga, jornalista. É, eu sou, mas estou de férias. Onde é que vende a cerveja? Tem trocado? Nossa, quanta gente! Tudo bem, daqui a pouco isso aqui acaba e gente estica. Você que ir pra onde? Tanto faz, hoje eu estou por sua conta. Viu aquele cara? Ele é interessante. Não é o seu tipo? É, não achei, não. Meu Deus, você por aqui? Você vê, por mais que queira sair do ABC, acabo voltando pra cá. Que saudades. Olha, essa aqui é minha amiga, minha "cumadi". Então é você, sempre quis te conhecer. Estou com fome, tem churrasco aqui? Lá fora, vamos lá.

Vou comprar mais uma e elas somem. Quando vejo, estão as três, num canto em pé, conversando um monte, em uma rodinha bem feminina.

Pergunta: o que falam mulheres maduras reunidas numa rodinha quando se encontram?

De seus homens, claro.

Ainda está com ele? Sim, é meu terceiro marido. Não sabia que tinha tido um segundo. Ah, eu lembro agora, ele era o homem mais lindo da redação. Lindo mais cruel, querida, muito cruel. E você, há quase 20 anos com o seu. É, pra você ver. Mas não quero mais dar pra ele. É, daí é difícil. Eu quebrei o cabaço e fui num sexshop comprar umas coisinhas. Mas meu namorado se nega a usar... Que babaca ele, não? Se fosse um homem mais velho usava. E eu que separei ontem e faço 40 amanhã. Estou arrasada... Aquele ali é um escroto, falso que só. Chega. Vamos? Um beijo, vamos sair mais dia desses, parabéns, coragem. O celular tocando na bolsa.

Cadê meu celular? Atende aí? Já estamos aqui, vocês não vêm?

No boteco tem mais mulher madura, com homens maduro, outros nem tantos, meninas, bichas e tudo o mais. Mais cerveja.

Me dá um croquete, vamos sentar lá fora, arruma umas mesas. Já estou aqui, sentada, esperando vocês. Tem algo melhor pra comer aqui? Come a batata assada que é mais saudável. Então dá uma, com berinjela que eu adoro.

Pergunta: o que falam mulheres maduras com homens maduros reunidos numa mesa de bar?

Das outras mulheres maduras que não estão lá. E falam também de seus ex-maridos, e filhos, e namorados. E dão pitaco na vida de quem está na mesa.

Não dá pra entender o que aquela lá tem que atrai tanto homem. Porque ela é muito feia, é vulgar, ninguém gosta dela. É, mas o fulano disse que até aquele outro, aquele bonitão meio gordo, pagava um pau por ela. Não acredito, ele parece tão inteligente. E ela mesma me disse que o cara era pegajoso, mas pagava algumas contas pra ela, então, tudo bem, ela aguentava ele. Outro dia, nem te conto, sumiu num bar e quando voltou disse que tinha ido dar uma. Ali mesmo, no meio do bar? Não sei, acho que sim. O maior bafão. Conheço você de uma festa, sou amigo do seu amigo. E ele, é viado ou não? Não sei. Já viu ele com mulher. Nunca, mas nem com homem. É, mas o cara é muito boa gente. E vocês, são skinheads? Carecas do ABC? Pô, não ofende. Esse aí, querida, não combina com você. O outro lá é melhor. Sempre fui assim, louca, batalhei pra criar meus filhos. Vamo'mbora que meus filhos não param de ligar. Pede a conta, eu deixo vinte, tchau.

Deitada em casa tudo isso vem sem muita ordem, até que eu durmo. Durmo? Não. Eu acordo de hora em hora, a madrugada não acaba. Levanto, bebo água, vou ao banheiro, deito de novo. Com frio, me cubro pra pouco depois chutar o edredon. Cinco horas, cinco e meia, sei lá, o despertador toca. Ele acorda pra ir trabalhar. Não tem a curiosidade de olhar no outro quarto, será que ela está aí? Com certeza está, as botas estão no corredor, a roupa jogada no banheiro. Ele assume o banheiro e eu continuo deitada. Ele sai do banheiro e eu não aguento, levanto, vou pra cozinha.

Bom dia. Bom dia. Fez café? Fiz.

Uma xícara, duas. Vou comer torrada com geléia e manteiga, tudo diet, tudo light. Vou esquentar o leite, tomar com café, perdi o sono. Ele se toma banho, se troca, eu ainda na cozinha, comendo e lendo o Unidade. Li inteirinho. Vou ao banheiro, palavras cruzadas. O dia ainda escuro. Ele sai e o sono não vem. Meu Deus, essa noite, essa balada não acaba. Tá, vou ler mais, na sala agora, escolho um livro velho, leio a dedicatória "Nós não queremos mais o paraíso, mas continuamos dispostos a continuar reencarnando", escolho um conto. Deu errado. Não veio o sono. Só mais e mais excitação. Preciso dormir, vou tomar mais café com leite, e mais um, e mais torrada. Vou deitar com ela, na minha cama, eu a abraço de costas e consigo dormir. São sete e meia.
:-/

terça-feira, agosto 05, 2008

Beijo de língua

Ele não parava de olhar para mim. Parecia enfeitiçado. Desde a hora que eu cheguei, ele ficou lá, parado e me encarando, suspirando e me seguindo a cada movimento. Nem a Bia no meu colo o intimidava. Bem pelo contrário: quanto mais eu a abraçava e beijava, mais ele suspirava. Seus olhos brilhavam e pareciam encher de lágrimas.

"Bia, ele está com ciúmes de mim com você. Mas não tem motivo. Não sou nada dele. Quase nunca me vê. É tão difícil eu vir aqui", eu disse.

Então, só para testar, a Bia resolveu sair do meu colo para deixar o caminho livre para o garotão. Sem tirar os olhos dele, e com um sorrizinho maroto nos lábios, ela se sentou ao meu lado meio escondida e ficou esperando a reação dele. A Bia queria ver o circo pegar fogo.

O menino não perdeu tempo. Deu o primeiro e o segundo passos e, na seqüência, colocou sua pata esquerda e pesada no meu colo, depois a outra, e começou a avançar sobre o meu peito. Em segundos o bocão negro dele estava a um centímetro do meu nariz! Eu afastei o meu rosto, gritando.

"Vítor, socorro! Tira o Angus daqui porque ele quer me dar um beijo de língua: vai me lamber! Argh, que bafo!"

O boxer nunca mais me perdoou. Ofendido, foi sentar no seu tapetinho bordado à mão, de costas para a gente, e durante o resto da noite não olhou mais para mim. Que cachorrão mais temperamental! Magoou de vez! Mas até que devia ter aceitado o beijo de língua que queria me dar. Foi o único que me ofereceram aquela noite.
;-(

domingo, agosto 03, 2008

Registro

Expectativa, desejo. Desejo, expectativa. Qual é a ordem certa disso? Não há. O certo é que tudo é tão dinâmico. Tudo é tão desânimo. E brincar com desejos e expectativas parece tão fácil. E se faz tanto disso que parece até uma aposta: eu vou porque vou provar pra você que isso não existe. O que você sente não existe. O que você quer não existe. O que você acredita não existe. Eu não existo. Percebeu, garota? Constatação: o lado duro da vida está vencendo. Você tem razão. Eu estou ficando mais dura. O que se sente, mesmo sem querer, está mudando. O que parecia tão certo agora está calejado, desconfiado, cansado.

Entristecido, porém. Ninguém quer saber mais disso. Pra quê? Uma punheta basta. E de porre. Mas uma só. Mais que uma dói a mão. Dá trabalho.


Ontem cantaram Sentimental pra mim. Tenho que cantar e cantar pra não desistir. Não desistir de mim. E tentar transformar o sentimento. De novo. Geminiana eu sou. E esse é o meu desejo


Sentimental, sentimental
Um coração saliente
Bate e bate muito mais que
sente
Fica doente
Mas é natural, natural
Que num cochilo de agosto
Surja um outro alguém do sexo oposto
Do sexo oposto, outro alguém

Ontem vi tudo acabado
Meu céu desastrado
Medo, solidão, ciúme

Hoje eu contei as estrelas
E a vida parece um filme
Gemini, gemini, geminiano
Este ano vai ser o seu ano
Ou senão, o destino não quis
Ah, eu hei de ser
Terei de ser
Serei feliz
Serei feliz, feliz
Façam muitas manhãs
Que se o mundo acabar
Eu ainda não fui feliz
Atrapalhem os pés
Dos exércitos, dos pelotões
Eu não fui feliz
Desmantelem no cais
Os navios de guerra
Eu ainda não fui feliz
Paralisem no céu
Todos os aviões
É urgente, eu não fui feliz
Tenho dezesseis anos
Sou morena clara
Atraente
E sentimental.