quarta-feira, dezembro 26, 2007

Coisas do Natal

Um sapo pra olhar
Uma pedra leve de carregar
E o doce sempre a eternizar

Adoro o verde, o preto e o sabor do chocolate

Verde é calma, é equilíbrio
Preto é harmonia entre corpo e alma
Chocolate é amor

Feliz foi o Natal!
Feliz será 2008!

segunda-feira, dezembro 10, 2007

A pele de peças

Tento desvendar o rosto daquela mulher. Sua pele, uma máscara formada por um quebra-cabeças com uma centena de peças... O que será que há sob aquela "pele" de papelão? Seus olhos, talvez de vidro, talvez de plástico, também parecem artificiais. Têm focos distintos e, enquanto um se volta para frente, o outro me atravessa quando percebo que uma peça de sua pele-máscara de quebra-cabeças está para se soltar. Sem querer, descobri um seu segredo.
Ela pode ser doce, terna. E pode também ser dura, indiferente. Em segundos sai de um estado de espírito para outro. Não admite que se diga a ela o que tem de fazer. Por isso, não aceita o que a Ana lhe diz daquele jeito estúpido que só quem conhece o seu coração a perdoa de pronto. Está quase a nos enxotar de lá quando ou começo a falar. Digo o mesmo que a Ana, mas de outro jeito. Digo que ela tem que sair de lá, daquele isolamento, daquele mundo inexistente.
A encontramos sem querer. Procurávamos o seu irmão e nem sabíamos dela. O rapaz, casado, morava em um bairro distante da minha cidade, perto do meu pedaço, numa daquelas raras casas que ainda guardam jardins e quintais com árvores. Fui porque a Ana me pediu. No terreno, eram tantas as árvores que o ambiente era escuro. Não havia flores, só umidade da mata. Eram duas casas velhas, mas com várias paredes de vidro ou janelas gigantes. Não sei bem. Mas eram sujas e mal cuidadas. Antes de chegar lá, eu no volante, descemos ladeiras conhecidas, cruzamos a Carijós. Não sei porque a Ana precisava dele. Ele não queria ser encontrado. Mas foi a moça alta, de cabelos negros, que passou tentando não ser vista, muito parecida com viúvas de filme de guerra, que acabou sendo o nosso tesouro. A cercamos, tentanto convencê-la não sei do quê. A mim, como disse, ela chegou a ouvir. Quase a convenci. Mas ela voltou a se esgueirar quando percebi seu segredo. E acordei no momento em que ela me atravessava com seu olho direito, de vidro. Na justa hora que sua máscara certamente se desmancharia. Com a máscara, ela pareceu assustadora, mas no fundo eu sabia que ela era apenas uma mulher solitária.

domingo, dezembro 09, 2007

O lindo rostinho dela

Insinuante. Este era o atributo exato para Maria Dejanira. Sempre foi assim: fingia ser o que não era, ter feito o que nunca alcançou oportunidade, só para provocar os outros, desestruturar amizades, colocar dúvidas em relacionamentos honestos. Era uma marca de sua personalidade. Se divertia com isso. Na maioria das vezes se dava bem, mas quando se dava mal...

Encontrei Maria Dejanira a primeira vez em um ônibus da minha escola. Íamos a uma excursão de estudantes. Meu professor levou a namorada. Mulher bonita, segura, liberal se comparada com as mulheres mais velhas que eu conhecia até então. Mas era quieta, ria com a molecada adolescente, mas não se metia nas brincadeiras.

Os meninos da minha turma eram abusados, adoravam falar bobagens. E, para brincar com o professor, diziam que, para tirar boa nota na prova, tinham até que beijá-lo na boca. E todo mundo dava risada. Até que Dejanira resolveu aparecer. Parou insinuante ao lado da poltrona do casal e soltou a bomba: “Se é assim eu já passei, né, ‘fessor’?”

O silêncio foi total. A namorada do professor ficou vermelha de raiva e fulminou a menina. Entendeu que era provocação, e todo mundo esperando o escândalo da moça. Mas o professor só apertou forte a sua perna, como que implorando para ela não fazer nada. E nada aconteceu de mais grave.

Anos depois, encontrei uma amiga num café. Jandira estava furiosa. Tinha acabado de ter uma discussão feia com a ex-secretária de seu noivo. Confiava em Rodrigo, mas aquela mulher intrometida a tirava do sério. "Meu noivo era o gerente da empresa, e, por trabalhar com ele, ela acha que mandava ali, que podia tanto quando ele." E começou a me contar o quanto a mulher dava palpites na vida pessoal do patrão e, de tabela, na dela também.
"Rodrigo sofreu uma cirurgia no final do ano, e ela me ligava para contar o que ele fazia de errado em relação à saúde. Depois, começou a dizer que eu e ele tínhamos que sair mais para ele se divertir, já que Rodrigo trabalhava muito. E, por fim, acabou insinuando que tinha de ir junto!"
Por causa das intromissões da secretária, Jandira chegou a brigar com o noivo e pedir para ele despedir a moça. “Ela era tão atrevida que espalhou pela empresa um boato que eles tinham um caso. E eu ficava com ciúmes, porque ela é bonita, tem presença”. O clima entre ela e o noivo por causa da secretária estava mais que azedo, quando ele e a moça foram demitidos. “Quer saber, fiquei aliviada, porque ela não ia mais me encher.” Mas qual não foi a surpresa de Jandira quando a garota ligou para ela para reclamar que Rodrigo não a procurava mais, não atendia seus telefonemas, e que queria voltar a trabalhar com ele. “Eu surtei, Vivi. Marquei um encontro com ela e disse que o Rodrigo também ia, para eles conversarem. Quando ela chegou no bar, estava toda emperequetada e feliz: ‘Cadê o Rodrigo?’, ela me perguntou”.
“E o que você fez?”, perguntei, já ansiosa para saber o fim da história.
“Acabei com o lindo rostinho dela.” Ah! O nome da secretária: Maria Dejanira.

sábado, dezembro 08, 2007

No Night So Long

Dione Warwick me faz lembrar do Pequeno Rapaz Moreno.
Esguio e moreno.
De tanto medo do que sentia da Pequena Menina Doida, desapareceu.
Não entendeu o que significava passear com ela-mulher de braços dados por entre as alamedas centenárias...
Então, se escondeu.
Deve estar sob a saia de sua mãe baiana.
Coitado! Não sabe o que perdeu!

sábado, dezembro 01, 2007

Madrugada

Só pra dizer que estou aqui, de novo, na madrugada.
Tenho preferido as madrugadas às manhãs nos últimos tempos.
Não porque não goste do sol e da sua claridade.
Mas é no silêncio da madrugada que eu consigo me encontrar... te encontrar.
Corpo doído, cansaço de um trabalho intenso e adorado, mas meio sem sentido.
Me pergunto, onde está o meu tempo?
Quero ele de volta.
O trabalho consome minha "criativa idade" e só na madrugada eu recupero um pouco do meu sentido...

sexta-feira, novembro 30, 2007

Linda Flor

Linda tinha um sonho. Não. Melhor: Linda tinha um desejo. Queria um dia ser Flor, Dona Flor, como no romance de Jorge Amado, que sempre estava lá, na sua cabeceira.

A fantástica história da professora de artes culinárias que dividia a cama entre o marido vivo e o marido morto a fazia delirar. Era uma fantasia secreta que alimentava.
Dentista, Linda sempre olhava para o seu marido Olavo e via nele todo o jeitão do farmacêutico Teodoro Madureira que na história só gostava de transar com dia e hora marcados. Olavo era um aplicado contabilista e, na sua lista de prioridades, o sexo estava lá pela sexta colocação: primeiro era o trabalho, e depois, na ordem, vinham o escritório, o carro, o cachorro, o tênis no clube às quartas e sextas e a visita à mãe, todo domingo, no asilo. Sorte de Linda que eles não podiam ter filhos (como Flor, ela era estéril) e, por exceção à regra, Olavo não gostava de futebol. Sem isso, o sexo seria muito mais raro. Mas, a estabilidade do casamento a deixava tranqüila e ela se contentava em só imaginar que um dia poderia ter um Vadinho como o do livro.
Nas suas fantasias, ela queria aquele homem safado, que a virasse do avesso de tanto lhe dar prazer, mas que também lhe trouxesse à vida um pouco do sofrimento e da insegurança que aparecem quando não se tem certeza da lealdade e do amor. Era isso que Linda buscava. E além disso, como não acreditava em fantasmas como era o Vadinho do romance, imaginava que tal indivíduo ainda tinha de ser "invisível" - entrar e sair sorrateiramente da sua casa e da sua cama sem ser percebido.


Linda já tinha filho grande quando Duda apareceu na academia onde ela malhava. Parecia um sonho aquele rapaz. Tinha até o hálito do Vadinho dos seus sonhos, era malandro como ele, lhe falava obscenidades no ouvido e a fazia esquecer completamente da existência de Olavo, que a essas alturas da vida só transava uma vez a cada 20 dias. E ela mergulhou na sua fantasia como sempre desejou e fez o que pode para aproximá-la ao máximo da sua realidade. O queria dentro de sua casa, com ela na maior parte dos momentos. E Duda virou amigo de Olavo.


Os dois se viam todos os dias e também trocavam mensagens e torpedos. No seu celular, quando ela chamava, era o nome Vadinho que ela via no visor. Ela também começou a assinar e-mails que escrevia para ele como o codinome Flor. Ia tudo muito bem, ela vivia em paz com seus "dois maridos", quando a tecnologia os traiu. O e-mail que era para ter sido apagado, por uma desses motivos que só os nerds explicam, ficou lá, gravado em uma pasta de memória.


Foi uma declaração de amor que Joana leu naquela noite. Endereçada ao e-mail de Duda, seu marido, uma tal de Dona Flor o chamava de Vadinho. Joana era uma mulher apaixonada pela vida mas que não admitia ser enganada. As malas do marido foram parar na rua, sem direito ao perdão. E, pela mesma porta tecnológica, a cópia do e-mail de Flor a Vadinho foi para na tela de Olavo.



A fantasia de Linda acabou aí. Olavo quis a separação e, sem ele, ser Dona Flor não tinha a menor graça. Às vezes vê Duda, mas agora o romance perdeu toda a graça. Duda que gostava da aventura, também não encontrou seu rumo. Sem casa, nunca tem para onde voltar. Joana e Olavo é que acabaram amigos.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Que dia engraçado!

Madrugada e eu aqui comendo chuchu com abobrinha na frente do computador. E feliz.
Hoje foi um dia engraçado! Trânsito fluindo bem no começo pra depois travar de um vez e me deixar cozinhando no carro durante uma hora justo num trecho que eu faço em menos de 10 de minutos. Coisas de Sampa. E, apesar de afobada e quase chorar de raiva, não fiquei de mau humor. À noite, já nem lembrava mais do sufoco.
Foi o dia em que tudo deu errado mas que, mesmo assim, tudo deu certo.
Perdi a viagem na troca do presente, parei no trânsito, atrasei a chegada, atrasei a coluna, esqueci a sacolinha dos carentes, o boy esqueceu do meu lanche, os chefes me chamaram pra uma "conversa", não li em tempo as agonias da Ana, o estilista adiou a minha visita, levei um não sobre o almoço com a secretária, o email não chegou, a resposta não veio, o encontro não rolou.
Mas, no fim do dia, estava tudo em seu lugar.
Edição fechada, pré-pauta pronta, boas idéias pro dia seguinte, boteco aberto pra ganhar um copo de chope pago pela amiga de bom coração. O outro amigo que há tempos não via pra me dar um abraço. Penso na Bia me pedindo um beijo pela manhã, querendo só abraços e me derreto. Entre os altos e baixos do dia, um bom comentário sobre a nova crônica, uma pergunta sobre a última, uma fã simples revelada no meio da minha gente. E me dou o direito de curtir minhas saudades, quantas saudades!
Sinto de novo que, mesmo quando não sei bem ao certo o que acontece, tenho que dar atenção ao que uma tal de intuição assobia no meu ouvido, meio sussurrando: "está tudo bem."
Queria sempre conseguir levar a vida assim: sem pesos, sem rancores, sem temores nem tremores.
Só levando. Um dia atrás do outro, esperando que o outro seja sempre melhor.

sábado, novembro 03, 2007

Estranho encontro

Marcamos um encontro na estrada. O local era agradável, no campo. Eu dirigia tranqüila pela estrada de terra, apreciando as chácaras bem cuidadas e os animais bem criados do interior. De repente, na segunda curva, vi o carro dele em um poste. A Veraneio branca estava lá, e ele sem poder sair do carro, pedindo socorro. Não conseguia movimentar o carro, literalmente enroscado no poste de madeira. Ninguém por perto pra ajudar. Nervosa, peguei o celular e consegui falar com um irmão dele. Avisei sobre o acidente. O irmão quis saber como fui parar lá. E eu disse: "Marquei de me encontrar com ele aqui." Segredo revelado, nada mais a fazer, a não ser esperar a ajuda chegar. Mas, quando me voltei para o acidente, ele tinha conseguido tirar o carro de lá, dirigindo! O carro passou ao meu lado, ele dirigindo, aliaviado, contente, seguiu para estacionar em um campo cercado, mas tinha uma abertura grande, convidando à entrada. As cercas eram de madeira, pintadas de branco. Mas, quando ele pára o carro na grama, que tinha tons verdes e marrons, o inusitado acontece. O carro, que agora não é mais Veraneio nem branco, mas é pequeno e esverdeado, afunda rapidamente. "Isso é areia movediça!", grito. Mas não há mais tempo para ele sair. Se avanço, também afundo, então páro na beira do poço de areia, agacho e grito por socorro. E o carro desaparece complemente.

Ato falho, Freud explica

O vidro explodiu de novo no seu ouvido. "Droga!", gritou Ana. Pelo quarta vez no ano os moleques de rua bandidos estouravam o crido do seu carro, no farol, e levavam sua bolsa.

Ela não se surpreendeu. Na verdade, ela ficou com uma raiva enorme, muita raiva, e fez o retorno com o carro enquanto tentava lembrar o que havia perdido desta vez. Não foi grande coisa: um óculo de sol, carteria de motorista, documentos do carro e, aí!, aquela blusa de lã preta nova! O óculos de sol tinha grau, custou uma grana alta! Que raiva!.



E, enquanto vasculhava a sua memória e, ao mesmo tempo, tentava encontrar a delegacia de polícia mais próxima, viu os meninos de longe, correndo com sua bolsa. Pensou em virar o carro de novo e surpreendê-los, mas conteve o impulso. Não valia a pena...



Foi aí que olhou pra sua mão. Estava sangrando. "Quatro assaltos e pela primeira vez eu me machuco". E chorou.... Chorou de nervoso e de medo. "Justo nesta semana que estava indo tudo tão bem!"



Na delegacia pediu pra parar na vaga onde a placa avisa "reservado para autoridades." E o policial, possivelmente penalizado com tantas lágrimas, deixou. Saiu do carro, se sentou na sala de espera e se preparou para o inevitável chá de cadeira que iria passar.

Foi só então que ligou pro marido que, sabia, deveria estar com a filha, sainda da casa de sua sogra. "Oi. Estouraram o vidro de novo no farol e estou na delegacia." "Pô, de novo? Você tá bem?" "Estou. Me cortei um pouco, estou sangrando, mas estou bem!"



E, então, do outro lado da linha, veio a frase mais chocante do dia: "Ah! Então, vê se resolve tudo rapidão aí e vem pra casa."

Ela teve um ataque de pânico. Pânico mesmo, medo do que ele achava que ela era. Tão forte, tão independente, tão eficiente que era capaz de resolver tudo, tudo rápido. "Como rápido? Você tá louco? Eu estou numa delegacia!"

"Ah, tá! Desculpe. Não quis dizer isto." Mas disse.

Nem menção de ampará-la. Nem menção de socorrê-la. Ato falho. Freud explica.

quinta-feira, novembro 01, 2007

O Passado


Sempre trouxe comigo o meu passado. Não é saudosismo. Me orgulho dele como algo que me formou e me fortalece. Nada que passei me envergonha ou me estristece. Hoje fiquei feliz ao ler um artigo do psicanalista Contardo Calligaris, sobre o filme "O Passado". Diz ele, "não há amnésia que possa acalmar o passado... nada passa, nunca; tudo o que acontece é indelével."
Sempre acho engraçado quem tenta esquecer o passado, enterrá-lo, como se ele não existisse, que se ele fosse só dor. E cito, de novo, Calligaris: "Sobretudo os amores, por mais que acabem, continuam vivendo, subterrâneos, dentro de nós, porque, bem ou mal, são essas as vivências que mais nos formaram e transformaram."

quinta-feira, outubro 18, 2007

Anjos que voam

"E os anjos voam porque não se preocupam com nada", você leu em um pedaço de papel.
Está admirada? Digo que é por isso que a gente pode se abraçar e se beijar - voar de felicidade - sem se preocupar com o que a multidão pensará de nós...
Somos anjos, darling.
Estamos anjos.
Você que diz o que pensa pra depois se arrepender
...eu que deixo o sentir me tomar sem me censurar
.......ela que permite ao estranho lhe sacudir sem fugir

Nós somos anjos.
Vislumbramos nosso espaço e poucos nos entendem.
Mas quem nos acompanha não se arrepende.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Espanto

Mais de 15 anos neste ramo e eu ainda me espanto com o valor que uma nota tem para as pessoas, simples ou não.
O manobrista veio hoje me agradecer: "A senhora não sabe como eu fiquei contente. E a minha mãe, então. Ficou muito satisfeita! Ficou melhor do que eu esperava!"
Ele ganhou o dia dele, quiçá a semana...
Pra mim, são 10 centímetros apenas, ou nem isso. Uma nota falando que um cara lá na Zona Norte resolveu distribuir milhares de doces pra criançada em homenagem a Cosme e Damião. Pra mim, o que esse cara faz é muito mais importante do que o texto impresso num papel que ao meio-dia já estará embrulhando peixe.
Mas pra'quela comunidade, aquela rua, aquela vizinhança, a nota quase no pé da página é a glorificação e o reconhecimento de um trabalho que já vem há alguns anos. "Até saiu no jornal!", alguém lá deve ter dito, com orgulho.
Mal sabem eles que só entrou porque não tinha nada melhor, que era a primeira na lista das que poderiam "cair" e que, pra nós lá, publicar ou não, não teve a menor importância. Ninguém se sentiu melhor ou pior por isso.
Pra gente, ele é um cara em 100 mil, que teve só a sorte de ter um vizinho que é manobrista da garagem onde os funcionários do jornal guardam seus carros. O rapaz é boa praça, perguntou se era possível noticiar, me deu o telefone do dono do feito num papel amassado e eu, por uma lembrança repentina durante uma crise de desespero por causa da falta de notícias, pedi pro estagiário ver o que era.
Isso é o que chamamos de dia-a-dia. E, mesmo sabendo de tudo isso, ainda me espanto.
Talvez não devesse, mas ainda bem que me espanto. Me sinto mais viva e feliz com o espanto.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Na claridade

E as luzes, enfim, foram acesas.

Falta, agora, as janelas serem abertas

E o vento bater, fresco, em nossos rostos.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Por cinco minutos

A moça nem respira ao volante. O trânsito quase parado ajuda na sua observação assustada, em princípio muito indignada. Depois até emocionada. E, no final, resignada.
O olhar fixo está naquele grupo de pessoas que acorda na manhã cinzenta da cidade. O chuvisco de São Paulo gela o ambiente.
Um a um, vão saindo de barracas feitas de lona meninas e meninos de pele dourada, meio manchada, despenteados, de roupas largas, amassadas e rasgadas, rostinhos sujos.
Mulheres esguias e grosseiras, que um dia foram bonitas, também estão por lá com suas saias rodadas. Uma delas que está um pouco mais longe fica de cócoras e usa uma caneca de alumínio brilhando, cheia de água fria, para lavar um bebê de pouco mais de um ano. É um pequeno andante, que ela solta em seguida para vê-lo cambalear até cair desajeitado no meio da grama batida.
Os homens morenos usam botas, calça jeans envelhecida, camisa meio aberta mostrando parte do peito e na cintura um facão. Estão reunidos numa rodinha, conversando baixo, mascando fumo, ameaçadores.
Uma fogueira aquece o café perto da barraca maior. Uma senhora velha, de cabelos cinza, toma conta do fogo. A fumaça desenha mais fantasias no ar, deixa todo o ambiente mais misterioso.
O menino maior se aproxima da calçada, da avenida, e olha os carros passando devagar, praticamente parados no congestionamento. Entre os carros de vidros fechados está o de Alba. "É impossível imaginar o que ele pensa", fala sozinha a moça ao volante. O menino se volta de repente e joga longe um pedaço de madeira que tem na mão, numa brincadeira. Mas Alba se assusta. "Ele quer nos atacar!", grita, sem que ninguém a ouça.
É que a imagem destoa do resto da cidade, Alba pensa.
"Essas crianças precisam de cuidado!", ela imagina com lágrimas no olhos. Teve ímpetos de parar o carro para enfrentar toda aquela gente estranha só para tirar os pequenos do meio da bagunça. Mas, de repente, Alba percebe outra coisa.
"Parecem crianças felizes...", se assusta, após olhar de novo para a cena com outros olhos e enxegar todos juntos, compartilhando o café, sorrindo e brincando ao lado dos parentes mais velhos.
Uma curva e o pescoço dela se esforça para não perder outros detalhes do grupo. Até que não é possível ver mais nada. Os prédios já escondem os ciganos. E a cena toda não durou mais do que cinco minutos.
E só então Alba volta para o trânsito e para si.
Olha o espelho retrovisor, o ajeita para ver o reflexo do seu rosto, retoca o batom, ajeita a franja lisa e loira, respira fundo, acelera e esquece completamente de tudo o que sentiu.

quarta-feira, setembro 12, 2007

A chave e o estranho

Você se foi
e deixou a chave da casa
com um estranho
para que ele entrasse e nos visse nuas

Pouco importa quem ele seja!
Pouco importa que você o conheça!

Esse homem-criatura
entrou aqui com seus olhos transparentes
pele lívida e sorriso cínico!

E eu vou arrancar dele a chave e, assim,
nem ele e nem você poderão entrar aqui de novo.

Nunca mais.

quinta-feira, setembro 06, 2007

De alto a baixo

E então os dois estavam no meio de um ataque e se encolhiam pra se proteger. Alguém ou um grupo (ela não sabe dizer) os perseguia e mais - o ameaçava de morte. Até que os alcançaram. Com uma faca, abriram seu peito para arrancar seu coração. E, em parte, conseguiram: o órgão ficou pra fora do corpo, mas intacto e ligado a ele por veias e artérias. Nela não encostaram a mão.
E, desesperada, ela pensou: você não vai morrer. Com cuidado, pegou aquele imenso órgão ensanguentado e o colocou de volta no peito aberto. E ele a olhou com gratidão e alívio. Do lado de fora, ficou apenas o corte, ainda aberto, é certo, mas o pior já tinha passado. Os dois se levantaram e seguiram em busca de socorro. Faltava ainda a sutura. Iria ficar uma imensa cicatriz cruzando o peito dele de alto a baixo. Mas isto não tinha a menor importância.

domingo, setembro 02, 2007

Quatro

Desejo
Amor
Admiração
Orgulho...

terça-feira, agosto 28, 2007

Horóscopo do dia

Porrada

Para que a preocupação, se tudo segue em seu curso? O problema que sua alma
enxerga nesse curso é não tê-lo decidido por si mesma. Porém, pense bem: como
você poderia decidir o curso das coisa ainda permanecendo na indecisão?

terça-feira, agosto 14, 2007

Sem errar a mão

Ela desliza sobre rodinhas e vem pra mim.
Primeiro, era um arrepio na espinha a cada falta de equilíbrio, mas agora é difícil esconder o orgulho da performance perfeita. Volteios e freadas precisas...
Ela ainda chora porque não consegue alcançar o armário mais alto, e reclama porque não sabe escrever direito. Mas descobre a cada dia que as calças estão mais curtas e festeja porque a 'prô' avisou que vai ter aulas de letra de mão!
Ela me abusa, me 'explora', preenche todos os meus espaços, marca meus compromissos, faz a minha agenda, define o meu roteiro diário. Muitas vezes eu, impaciente, transbordo, me revolto, grito e esperneio, tentando encontrar no meio de tudo um espaço só meu.
Mas ela é o meu espaço, meu empurrão, meu esteio, meu sorriso, meu choro, meus momentos de reflexão. E, como ela depende do que sou, me seguro pra não cair na vida, não mudar de vez o rumo e não errar pra sempre a mão.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Frio interminável

Primeiro, foi o frio absurdo do Sul por opção.
Minuanos no rosto, a pele doendo, vermelha, trincada, prestes a sangrar.
Mas, por recompensa, as cores de gorros, luvas, cachecóis e sobretudos, as emoções de trenós e cavalos no meio de matas e a noite regada a vinho seco e bom e fondue, a cama aquecida de carinho e edredon. O calor do merecido e caro descanso.

Pouco tempo e vem o frio da terra, cinza, úmido e fedido. Mas, enfim, é este o chão que lhe pertence.
A chuva fina que deprime, o desânimo do não ter e nem saber o que fazer e a coragem de ficar apenas sob o velho cobertor xadrez, vendo filmes infantis durante a tarde, curtindo um ócio merecido e uma espera interminável. Vinho só o doce e barato. Sopa, só congelada. Calor? Só o de dentro, formado por fantasias inconfensáveis.

E agora, é este frio interminável de manhãs escuras que nunca clareiam naquela sala, as mãos e os pés como gelo que não derrete, no peito o ar rasga e dói: ele falta e te desrespeita.
A fricção é inútil e mesmo as blusas se amontoam em seu corpo sem nenhum resultado.
À noite, a água do chuveiro deve ferver, o aquecedor deve estar no seu limite máximo e o pijama deve se parecer com roupa de palhaço. É o único aconchego, o melhor. O calor vem da raiva, mas há consolo no abraço.

E, em tudo, também há a lágrima que, se cair, virá fria, ácida ou amarga, como o seu tempo.

domingo, agosto 12, 2007

Exame médico

Como dói o silêncio!

Sem palavras eu não existo, ou sou invisível.

Sabe quando você vai ao médico, ele te olha, te mede, escuta o teu coração, faz anotações numa ficha, assina uma guia, uma receita e demora pra te olhar e dirigir a palavra? E quando abre a boca é pra ser tão frio e técnico que só te paralisa?

É esse silêncio "ético" e "profissional" que eu odeio.
E outros tantos também:
o silêncio para não se comprometer,
o silêncio pra não apoiar,
o silêncio pra te deixar na dúvida,
o silêncio pra te derrubar,
o silêncio apenas pra concordar e não ter trabalho de discutir.... há uma lista deles.

Prefiro quando me xingam.
Grite comigo! Diga que estou errada! Se defenda!
Mas não me deixe sem ouvir sua voz, ler sua palavra.

E não permita que eu fique em silêncio!
O meu silêncio nunca é opção.
É medo, é dúvida, é dor.

Ele voltou

Não sei explicar, mas deve ter um motivo bem técnico pra este blog sumir da minha tela durante alguns dias. Deve também ter um motivo bem irracional pra eu não me importar muito com isto, ou seja, não arrancar os cabelos e querer quebrar o computador.

Às vezes, a gente cala por dentro, e ando meio assim nos últimos tempos. Não ter onde escrever (pelo menos não ter o lugar onde gosto de escrever) veio até bem a calhar...

O fato é que hoje ele voltou num susto sem eu fazer muito esforço, ou melhor, nenhum esforço. A vida é assim mesmo... As situações se colocam sem a gente entender direito e muitas vezes se resolvem sozinhas, quando a gente menos espera.

segunda-feira, junho 18, 2007

Tardes de Outono

Um toque e eu enlouqueço
Um sinal e eu não me controlo
Uma palavra que se transforma em lágrima
Um olhar que me enfurece
Outro que me derrete

É assim que a vida tem me tocado
E é isso que talvez você não aproveite...
Não percebe que isso é bom em mim!

Adoro as tardes de Outono...
Tardes como as de ontem que me fazem lembrar...
Caminhadas pelas ruas da cidade
"Cabelo ao vento, gente jovem reunida..."

Tenho saudades das sensações
E fico feliz por senti-las de novo
Desta vez sozinha, no carro,
O vento bate no rosto, o sol vermelho me acalma
Respiro fundo, fecho os olhos...
E chego feliz ao anoitecer!

quinta-feira, maio 24, 2007

Nosso novo movimento

Esta noite
vou tomar a sopa com o seu tempero,
falar sobre os seus sonhos
brilhantes e verdes e,
no final,
antes de dormir,
vou tentar ardentemente traduzir
as idéias e promessas que
surgiram nos cantos
de nossas imaginações em contos singelos,
sempre pretensiosamente sinceros...
e eternos!

quinta-feira, maio 17, 2007

Vamos celebrar as canções

Canções podem sim me levantar ou acabar de me enterrar.
Ainda bem!

Must Be Talkin' To An Angel, by Eurythmics, me dá cócegas nos pés e uma vontade louca de dançar.
Me vejo dançando na sala, janelas abertar pro sol entrar, a Bia rodando no meu colo, na rua as pessoas passando e olhando, o som no último, mas estou só no meu próprio carro, de cara pra luminosidade do céu azul... E é o que basta!

"La da di da-da da-da da
Da-da da-da
La da di da-da da-da da
Da-da da-da, yeah"

Parece bobagem isso, mas não é! Depois de dias de trabalho intenso, o cansaço, as dores e o mal estar me deixam tão frágil, tão triste, que perco a noção do que sou eu ou do que sinto falta. Ou de quem sinto falta. Aí, um convite à celebração é um bom sinal:

"No one on earth could feel like this
I'm thrown and overblown with bliss
There must be an angel
Playin' with my heart, yeah
I walk in to an empty room
And suddenly my heart goes BOOM
It's an orchestra of angels
And they're playin' with my heart, yeah"

domingo, maio 13, 2007

Registro - Mapa Astral

Olha só o meu mapa astral de mãe... Interessante...

"De acordo com o cálculo do Mapa Natal, no exato momento do nascimento
de Viviane, a lua encontrava-se no signo de Áries. A posição da lua no Mapa
Natal fala sobre a nossa vida emocional e a forma como vivemos e expressamos
os nossos sentimentos. O signo lunar revela ainda características sobre a
maternidade, apontando como a mulher lida com este lado importante e
marcante de sua vida. A mãe com o signo lunar em Áries é toda sinceridade.
Apressada, às vezes impaciente, mas quase uma criança na manifestação
espontânea de seu amor. O melhor lado que ela tem a oferecer ao mundo é a
fé: a crença de que as coisas podem e devem ser melhores do que são. A mãe
com a lua em Áries também é, demasiadamente, voltada para o imediato, para o
'curto prazo'. Sua vida é uma sucessão de momentos vivos e intensos como os
de alguém que deseja sorver a vida até sua última gota. Para ela, tudo é à
flor da pele. É uma criatura aventureira, mas sabe se dedicar muito bem à
tarefa de ser mãe."

Ele não tem mãe

A Bia estava inconformada desde o início da semana.
- Mãe, por que você tem de trabalhar no Dia das Mães?

E eu já não aguentava mais responder:
- Porque o papa está aqui, filha. E eu tenho de trabalhar. Todo mundo lá no jornal tem de trabalhar.

Juro, ela já tinha feito a pergunta umas duzentas vezes. Aí, hoje de manhã, eu não aguentei mais:
- Bia, pára de me perguntar isso. Eu já te respondi. O papa está aí. Não quero mais ouvir esta pergunta!

A garotinha calou alguns segundos. E, então, disparou:
- Tá bom, mãe, vou perguntar outra coisa, então:
Por que o papa tinha que vir para cá justo no Dia das Mães???

- (rs, rs, rs)... é porque ele não tem mãe, Bia. Ele com certeza não tem mãe.

O reverso

com atraso de uma semana

E eu tive de encará-la de novo!
E eu te achei tão linda, tão linda....
Te invejei por inteiro
Teu porte, tua segurança, tua voz
E me entreguei em tuas mãos
sem te conhecer...
mal sabendo teu nome.
Fui obrigada a confiar...
Esquecer o meu medo
e, no final, te admirar
E agradecer

quarta-feira, maio 02, 2007

Sob os holofotes

Por que vergonha de mostrar a minha fragilidade?
E daí se essas pessoas me vêem chorar e percebem que não sou tão forte?

"Isso é uma bobagem, não tem nada demais, mas a gente respeita você!", ela diz...

Respeito... pouca gente sabe o que essa palavra significa...

Vergonha...
Vergonha por cada lágrima minha que você vê!
Inda bem que não verei mais nenhum de vocês!...
(Mas vocês talvez me vejam, e me reconheçam!)

E você, senhor charmoso, de barbas e cabelos longos, você eu com certeza verei e lembrarei que falou comigo como se eu fosse uma criança.
E talvez fosse isso mesmo o que eu aparentava... uma criança assustada, nua, com uma touca ridícula na cabeça, meias nos pés e holofotes na cara.

"Qual é o seu nome? Você sabe?"
"E a sua profissão?"
"Sabe onde mora?"
"Quem está com você?

Eu estou só! A minha companhia é só um empréstimo!
Porque no fundo, estou sempre só!
E acabou!

quinta-feira, abril 26, 2007

Pretinho básico

Me aprumo pra ir trabalhar. Saco do guarda-roupas um vestidinho tubinho preto, com uma estampa de galhinhos de flores miúdas, brancas, bem básico e discreto, herança de um tia querida.

Sentada no sofá, vendo desenho animado, a Bia olha, avalia e dispara:

- Mãe, você parece uma velha com esse vestido... Não combina.

A garotinha de 6 anos me pegou no fígado! Há meses eu já estava com a sensação de que aquele vestido de crepe tinha mais cara de senhora-senhora do que de jovem-senhora-que-não-gosta-de-se-vestir-na-modinha-mas-que-também-odeia-cafonices. Mas mantinha por teimosia o vestido pendurado no armário. E, nesta fase dos 40, qualquer menção à velhice me deixa louca de raiva.

E explodo:

- Pô, Bia, eu já desconfiava que esse vestido me envelhecia, faz tempo que não uso, mas você tinha que falar assim na lata??!! Me arrasou!!

A garotinha se desculpa:

- Não, não, mãe! Tá bom, tá bonito, vai com ele!

- Não vou. Quer saber? Vou tirar ele agora e dar pra alguém. Ó, vou tirar e dar pra Val (é a babá) levar pra mãe dela! Vai servir direitinho na dona Maria!

E a menina sussurra baixinho:

- Na minha avó também ia ficar bom...

Explodi de novo, mas desta vez de tanto dar risada...



domingo, abril 22, 2007

Pergunta da Bia...

...feita ao pai. Mas que também pode ser respondida por qualquer outro ser do sexo masculino??

Por que você vai no estádio ver futebol e, quando chega em casa, liga a
televisão para ver futebol??

sexta-feira, abril 20, 2007

Vontades

Quero ficar aqui quieta no meu canto
Ouvindo só o que dizem as minhas próprias dúvidas
Quero olhar essa tela e já ver tudo escrito
E só ter o trabalho de transpor o meu saber para o seu olhar
Quero falar baixinho
E sentir que o outro ouviu o meu grito
Quero te contar tudo sem falar palavra
Para você ter certeza que estou ao teu lado
Quero abrir a janela e respirar o cheiro de biscoito
E me sentir ainda como uma criança
Quero fechar os olhos e me sentir flutuando
Quero ter direito à minha solidão
Quero que você me pegue de surpresa
De um jeito que eu não possa lhe dizer não
Quero deitar agora como se fosse para sempre
Para encontrar bracinhos finos procurando o meu pescoço
O que é um bom jeito de dormir em paz

quarta-feira, abril 18, 2007

Duas coisas para não esquecer

A intensidade

e

O imponderável

sexta-feira, abril 13, 2007

Rua da Marquise, 901

Em que lugar fica esse endereço? Alguém pode me dizer?
Já olhei no guia, já olhei na net, já dei uma googada, e não encontrei nada parecido.
É a coisa mais louca que eu já sonhei! Um endereço. Um lugar que eu não sei qual é!

Por que Marquise?? O que é uma marquise? Um lugar onde a gente pode se abrigar!!!
Por que 901? Tenho que consultar uma numeróloga. No limite, é 1 (9+1=10 ou 1). Na numerologia o 1 é Início, a Força, mas também o Egocentrismo....

Já sonhei com beijos, com encontros, com brigas, com amassos, com a água invadindo meu carro, quase me afogando, com fugas desesperadas pela mata, houve época em que sonhava desesperadamente que estava sem sapatos, me dava conta que não tinha sapatos, mas um endereço.........

Não sei mais onde procurá-lo. Mas acho que é lá, neste lugar que não sei onde é, é lá que eu vou encontrar aquele espelho do outro sonho... Nele eu me mirava enquanto chorava... e a outra-eu, a imagem, com a maior naturalidade, desenhava um sorriso no rosto. E eu, chorando, era obrigada a segui-la, meio a contragosto, teimosa por querer continuar a sofrer, mas sabendo que ela, a outra, é que estava certa.

Sem falar palavra, ela dizia pra mim: 'sorria, garota, porque tudo, tudo vai terminar bem!'

segunda-feira, abril 09, 2007

A velhice

É difícil encarar a passagem do tempo de frente. A memória que já não é a mesma, o andar que não é mais firme, as mãos que tremem, o olhar embaçado...
Passei todo o feriado encarando tudo isso... Tentando observar o outro e a outra e não ver o meu futuro. Imaginar que comigo pode ser diferente.
Mas, dificilmente será. Não há muito o que fazer pra ser diferente. Me pergunto como não ser atropelada pelo tempo ou pela doença, pelo amargor, pelo abandono ou pela solidão. Algo disso inevitavelmente alcança cada um de nós em algum momento da vida.
Não sei a fórmula para escapar. É difícil não ter medo.
Mas, olhando como meus tios e tias estão, lembrando o que fizeram e como chegaram até hoje, o que me toca mais é a memória que guardo da integridade, da curiosidade, da bondade e da criatividade que tinham. Me orgulho disso, me orgulho por ter conhecido e convivido com cada um deles.
Hoje eles estão trôpegos, inseguros, esquecidos, frágeis, mas não consigo vê-los com piedade, mas sim com respeito e muito afeto.
Será que merecerei algo assim quando chegar aos meus 70 ou 80??

terça-feira, abril 03, 2007

O velho trem

O mundo pode estar caindo, mas eu me animo quando sinto o Sol.
Ele me aquece a alma quase sempre solitária.
Não adianta estar rodeada de gente quando a solidão faz parte da gente.
Escuto no trânsito Back On The Chain Gang (The Pretenders), saio cantando... Fico feliz.
Uma foto
Uma trégua
Dias felizes
Mas agora Back On The Chain Gang..........

Migalha

Ela só lhe dá uma migalha do seu coração.

Queria lhe dar mais.
Ele mereceria toda a sua atenção, todo o seu tempo, todos os seus pensamentos...
Mas ela não consegue.
É incapaz e, por ser incapaz, já chegou a sentir culpa.
Porque ele... ele está sempre ali.
Ele a considera tanto, ele a quer tanto e ele a respeita tanto,
que a comove.
E, pior, ele não lhe cobra nada.

Quando ela o dispensa, ele aceita.
Quando ela adia os seus encontros, ele entende.
Quando ela lhe pede um favor, ele faz.
E não faz por submissão, porque ela não o obriga.
Nem para agradá-la, porque ela não é um tipo que se adule.
Ou mesmo por falta de amor próprio, porque ela nunca o ofende.

Ele apenas faz porque sente prazer.
E ela apenas aceita.
E cala sobre o que não sente.
E, se ele percebe, prefere fazer de conta que não vê.

Ela já tentou amá-lo como ele a ama.
Mas não consegue.
Simplesmente porque, por ele,
não sente nem a atração que vem pelo corpo
e nem a paz que vem pela alma.
Sente apenas afeto sincero,

mais parecido com gratidão.

quarta-feira, março 28, 2007

Maridão

Odeio essa palavra! Acho de extremo mau gosto o que vem na entrelinha da expressão: "seu maridão..."
Vem sempre com uma maledicência, uma insinuação de que ele, o marido, é um bem de consumo, uma coisa, um objeto que precisa ser preservado a qualquer custo, manipulável ao belprazer da mulher, algo de segunda categoria.
É ainda pior quando vem assim a fala: "Essa é pra segurar o maridão!". Quem precisa segurar o quê, cara pálida? Por que as pessoas acham que toda mulher quer "segurar" o outro, quer manter alguém pra sempre grudado do seu lado, como se a sobrevivência dela dependesse disso? Seria por que a solidão é assustadora para maioria?
Sei que há mulheres que temem a solidão. Eu também tenho medo às vezes... Mas, Deus, não dá pra se agarrar no medo! Será que não percebem que tem gente diferente. Eu sou diferente! Conheço dezenas de mulheres diferentes.
Odeio quando me perguntam: "cadê o maridão?" O que me irrita é essa necessidade de posse e controle que a maioria tem.
As pessoas são únicas, independentes, não nasceram ligadas. Se encontram, se apaixonam, se amam, ficam juntas, se separam. Faz parte. Cada passo pode doer, de dor ou de prazer, mas é a intensidade de cada passo que dá a graça dessa coisa chamada vida.
E ficar com alguém é mais do que "segurar". É primeiro conquistar, depois dividir, ser cúmplice, manter prazeres e ainda passar por cima de dissabores. E isso sim é difícil!
O que me deixa ainda mais indignada é a falta de consideração com o outro, o marido, como se ele não tivesse parte nisso, fosse alguém estúpido e sem vontades, à disposição da mulher.
Então, vamos combinar: eu não tenho "maridão". Tenho amigo, companheiro, parceiro, namorado, marido, amante ou homem. São nomes melhores, que dizem muito mais de uma relação do que o estúpido "maridão".
Hoje estou com ele. Amanhã, quem sabe?

domingo, março 25, 2007

Lua @ Sol

(resposta para Lívia)

Sempre me achei mais Sol que Lua. Tenho a pretensão de aquecer a Terra, de esquentar o mundo, todo mundo...
Às vezes me assusto com a repercussão do que falo, um brilho que não alimento, que me segue como se não fizesse parte de mim, me empurrando, assoprando no meu ouvido o que devo fazer. Me assusta também o bem querer de tantos. Nunca acho que o mereço.
Porque, no fundo do meu coração, carrego essa tristeza lunar, entro em paradas escuras e saio ferida e me sentindo perdida. Mas nunca arrependida. Nunca a ponto de desistir e também nunca pronta para esquecer.
Tenho mesmo essa
"esperança no amanhecer,
no devir,
no fruto ou na renovação..."
Pretensão é a palavra. Minha pretensão de ser alguém de quem eu nunca me envergonhe.

quinta-feira, março 15, 2007

Reconciliação

A dor me leva de volta à água. Me reconcilio com ela, e a aceito de novo, com sua maciez e seu silêncio. O meu silêncio.
Entro devagar. Odeio respingos pra todos os lados, divisão de problemas com os outros, forma de demonstrar autoconfiança, mas é só autoafirmação.
Respiração profunda, olhos abertos, me estico e sigo.
Num susto, me surpreendo ao ver no fundo minha sombra. Ela me segue livre, como que desprendida de mim. Sua aura é própria. Ela está lá, refletida no azulejo escuro, fazendo cada movimento melhor do que eu mesma.
Apuro a visão e sinto cada onda que se forma com nossos toques. Mudo de posição, olho pra cima, a luz do sol fraco passa através do teto translúcido.
Percebo meus braços, mãos e dedos. Eles vem e vão, surgem e desaparecem e me empurram para a parede.
A água morna me envolve toda, com se fosse um corpo masculino, e eu vou imaginando que ela é. Um corpo bom, grande, que me cobre inteira, me toma e me proteje. Sem ele, na saída, é só frio.
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8. Viro e sigo de novo.
O sol se vai, agora só há refletores ofuscando meus olhos.
- Senhora, é hora de sair.
Acabou o meu prazer.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Meninas e irmãos

Criança é uma delícia. Seus diálogos, suas sacações, como interpretam o que escutam e vêem. São nosso espelho. Nosso melhor reflexo. Olha só a conversa da minha filha com sua amiguinha. Papo debaixo do chuveiro...

"- Bia, você não tem vontade de ter irmãos?

- 'Magina, que já
é difícil pro's meus pais aguentar uma filha viva e uma
morta, imagina se fossem duas vivas e uma morta.
Imagina...

- Sabe, é bem legal ter um irmão. Mas é chato quando chegam e falam
'Nicole,
vem olhar seu irmãozinho que eu preciso fazer isso', 'Nicole, vem ficar
com
seu irmão que eu preciso fazer aquilo'... "

Detalhe: a Bia sabe da história da irmã, mas nunca falei pra ela sobre filha viva ou morta... A construção é só dela.


quinta-feira, fevereiro 22, 2007

O Outro

Faço de conta que você é o outro que já passou para poder conviver com você
Mas te reencontro como é várias vezes
Imagino que te encaro, que converso
E tento não enxergar em você o que gostaria que fosse
Me esforço para colocar uma pedra sobre nós dois
Mas as sensações escorrem por baixo dela
Líquidas, elas se renovam a cada dia
Me volto pra dentro, me encaro, quero parar
Não sou mais a mesma, você nunca mudou
É um alguém estático no tempo
Você não se recicla

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Pelas beiradas

É que dói tanto que parece fome
Dói igual a um buraco no estômago que persiste durante muito tempo

Primeiro vem a dor aguda, insuportável, que tira a razão da gente
Depois, a dor desaparece e a fraqueza toma conta do corpo, da mente, da palavra

E vai aumentando...
aumentando...
aumentando....

Fica um tipo de letargia e é até possível esquecer dela

A gente esquece a dor
E o que a sacia, o que lhe corta, o seu sabor

Quando, enfim, se tem o alimento, não dá para comer tudo de um vez
Dá enjôos ver aquele excesso
O rosto se contorce de náusea
A língua não sente o sabor

Tem que se comer aos poucos, pelas beiradas
Primeiro o mais leve, um pouco mais a cada dia, sem pressa
Até o corpo se acostumar de novo com o outro

Eu já senti tanta saudades que, agora, já não sinto mais nada
Ela só não mata como a fome

Mas entristece e desgasta a alma

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Shock!

Escrevo o nome para não esquecer mais. Ou, se esquecer, poder consultar.

Shock é dança, é Smiths, é angústia, é noite antiga.

Shock já passou, acabou (por algum motivo que eu desconheço esse nome sempre me escapa e sempre me reencontra).

Shock! Agora eu não esqueço mais!

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Ménage à trois

A maldade feminina não tem mesmo limites.

Pois alguém pode me dizer por que aquelas duas mulheres ficaram falando sobre vibradores e sexo em grupo na frente daquela beata? A garota mal conseguia tirar os olhos da louça que lavava enquanto escutava a conversa, encabulada. Ela não tinha nem como sair da cozinha. Porque se saísse daria muita bandeira. E ela ficou, roxa de vergonha!

Eu te digo porque as duas fizeram isso: foi pura diversão. As duas nem combinaram. Mas, 'putas velhas', perceberam a falta de experiência da outra, que parecia mesmo não gostar na 'coisa'.
E, como se já tivessem usado algum instrumento a mais na cama ou mesmo fossem praticantes do 'ménage à trois', discorreram sobre o assunto como duas experts. E era puro teatro.

- Fui numa loja de produtos franceses e encontrei lá um vibrador que era uma graça. Era rosa e tinha até de formato de coelho!!
- Jura! Sou louca pra ter esse.

A coitada da beata nem abria a boca. Na verdade, mal respirava.

- De vez em quando a gente convida outra pra passar a noite lá em casa. Acho muito bom. Mas queria mesmo que fosse outro.
- Ah, isso é bem legal mesmo. Mas meu marido não gosta muito!

Duas cínicas essas donas. São tão 'normais' que dá até dó. Uma terceira pessoa na cama daria um divórcio. Nunca nem pegaram num vibrador. Nem fazem direito o papai-e-mamãe. A preguiça é uma constante e a dor de cabeça sempre a melhor desculpa pra dizer não.

Mas se sentiram o máximo cutucando a menina recém-casada, que era virgem até o matrimônio e sempre acreditou que sexo era só bom pra fazer bebê.


Na hora que a beata conseguiu se livrar a cozinha, elas se sentaram na mesa e morreram de rir.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Não

E ela agora vai furar a minha pele.
A agulha fina sugando a minha vida.
Não sinto dor, só a invasão.
E penso: o seu olhar terno me amolece.

Por uma vida você me oferece a sua mão.
E eu a afasto e digo não.
Você reclama e diz: 'você sempre diz não.'
Isso virou piada.

Eu aqui, meio virada, curtindo essa profunda solidão.
A vertigem passou, o nó foi desatado.
Agora, uma nova fase, um novo quarto.

'Me siga, tire a roupa, ponha um avental.'
'Deite, relaxe, ela já vem.'
Tudo é rápido, gelado, anti-séptico.

Pego o carro, quero ir embora, vou comer.
A vida corre. E eu, por você.

Sem você.