quarta-feira, junho 07, 2006

Sem gritar

Ela cresceu ouvindo a mãe gritar: "Eu quero sumir!!"
Criança, sofria e chorava com o desabafo materno, a raiva colocada naquela voz, a culpa por talvez ser o motivo do desejo. "O que fiz de tão errado?", se perguntava.
Menina-moça, foi aprendendo a lidar com aquilo. Os brados maternos continuavam, mas ela passou a considerá-los uma frescura, um jogo de cena, a histeria de uma mulher que queria atenção, que não se resolvia.
Ela cresceu. Ela não grita. Mas hoje entende o desejo da mãe. Porque o berro está parado na sua garganta, em vários dias, de várias semanas. E ela não se permitirá gritar.
Não é o desejo real de sumir do mundo, não é o sumir da visão dos outros. Na verdade, o sumir é dela mesma. É uma vontade de sentir que não está lá, que não vê, que não escuta, que não percebe, que não intui. Mas de si mesmo ninguém foge.
Não é nem o desejo de morrer. É o desejo de não ser. De simplesmente nunca ter sido.
É contraditário porque ela adora a vida. Adora viver com as pessoas. E adora a sua própria vida. Pensa: a vida é próspera e tem lhe dado tudo. Tudo.
Mas a dor que a atinge é uma dor que se compara à da morte. A dor da morte por algo que simplesmente deixou de ser, que não tem mais volta, que não tem mais conserto, que ela não quer mais, mas que não queria que acabasse. Porque o chão a partir do qual ela construiu sua vida começou a se mover. Ela mudou. E ela não sabe o que virá. O que vai colocar no lugar do que se foi?
Ela descobriu algo obscuro nela e com isso terá de viver. Sem gritar.

Um comentário:

Anônimo disse...

olha só,
tava lendo o q vc tava lendo...

"Todos querem se sentir religados a algo que os recupere em uma situação mais plena e mais completa – uma situação que os redima da desigualdade em que se encontram atualmente. Mas a entrega misteriosa provoca calafrios – e quem tem medo deles se sentirá inevitavelmente frustrado. A própria Sylvia Plath percebeu o impasse ao escrever em seu diário o seguinte trecho:

“...Frustrada? Sim. Por quê? Porque me é impossível ser Deus – ou a mulher-e-homem universal – ou muita coisa. Sou o que sinto e penso e faço. Quero expressar meu ser tão completamente quanto possível, pois de algum canto tirei a idéia de que posso justificar meu estar viva desse modo. Mas, para expressar o que sou preciso ter um padrão de vida, um ponto de partida, uma técnica – para realizar a organização arbitrária e temporária de meu mísero e patético caos pessoal. Mal começo a me dar conta do quanto deve ser falso e provinciano esse padrão ou ponto de partida. E é isso que é tão duro de encarar, para mim”.

f..., né?
e a seguir vem a questão da VONTADE... ela diz:

"“Posso escolher entre ser constantemente ativa e feliz ou introspectivamente passiva e triste. Ou posso ficar louca, ricocheteando no meio”.

“Ter nascido mulher é minha tragédia horrorosa. Desde o momento em que me conceberam fui condenada a desenvolver seios e ovário, em vez de pênis e escroto; a ter todo o meu circuito de atos, pensamentos e sentimentos rigidamente circunscritos pela minha inescapável feminilidade. Sim, meu desejo ardente de me misturar a turmas de operários, marinheiros e soldados, a freqüentadores de bares – fazer parte de uma cena, anônima, ouvindo e registrando – tudo isso é prejudicado pelo fato de eu ser uma moça, uma fêmea que corre sempre o risco de ser atacada e maltratada”.

“Sinto medo. Não sou sólida, mas oca. Senti atrás dos olhos uma caverna oca, paralisada, um poço infernal, um arremedo do nada. Nunca pensei, nunca escrevi, nunca sofri. Quero me matar, escapar da responsabilidade, rastejar abjetamente de volta ao útero. Não sei quem sou nem para onde vou – sou a única que tem de escolher as respostas para essas questões medonhas. Anseio por uma nobre fuga da liberdade – estou fraca, cansada, revoltada contra a fé humanitária forte e construtiva que pressupõe um intelecto e uma VONTADE saudáveis e ativos”...


é preciso acreditar em alguma coisa (em DEUS, no AMOR, no DESEJO?...) para manter viva a vontade (de viver, de respirar, de ser alegre)... procuremos...