segunda-feira, setembro 17, 2007

Por cinco minutos

A moça nem respira ao volante. O trânsito quase parado ajuda na sua observação assustada, em princípio muito indignada. Depois até emocionada. E, no final, resignada.
O olhar fixo está naquele grupo de pessoas que acorda na manhã cinzenta da cidade. O chuvisco de São Paulo gela o ambiente.
Um a um, vão saindo de barracas feitas de lona meninas e meninos de pele dourada, meio manchada, despenteados, de roupas largas, amassadas e rasgadas, rostinhos sujos.
Mulheres esguias e grosseiras, que um dia foram bonitas, também estão por lá com suas saias rodadas. Uma delas que está um pouco mais longe fica de cócoras e usa uma caneca de alumínio brilhando, cheia de água fria, para lavar um bebê de pouco mais de um ano. É um pequeno andante, que ela solta em seguida para vê-lo cambalear até cair desajeitado no meio da grama batida.
Os homens morenos usam botas, calça jeans envelhecida, camisa meio aberta mostrando parte do peito e na cintura um facão. Estão reunidos numa rodinha, conversando baixo, mascando fumo, ameaçadores.
Uma fogueira aquece o café perto da barraca maior. Uma senhora velha, de cabelos cinza, toma conta do fogo. A fumaça desenha mais fantasias no ar, deixa todo o ambiente mais misterioso.
O menino maior se aproxima da calçada, da avenida, e olha os carros passando devagar, praticamente parados no congestionamento. Entre os carros de vidros fechados está o de Alba. "É impossível imaginar o que ele pensa", fala sozinha a moça ao volante. O menino se volta de repente e joga longe um pedaço de madeira que tem na mão, numa brincadeira. Mas Alba se assusta. "Ele quer nos atacar!", grita, sem que ninguém a ouça.
É que a imagem destoa do resto da cidade, Alba pensa.
"Essas crianças precisam de cuidado!", ela imagina com lágrimas no olhos. Teve ímpetos de parar o carro para enfrentar toda aquela gente estranha só para tirar os pequenos do meio da bagunça. Mas, de repente, Alba percebe outra coisa.
"Parecem crianças felizes...", se assusta, após olhar de novo para a cena com outros olhos e enxegar todos juntos, compartilhando o café, sorrindo e brincando ao lado dos parentes mais velhos.
Uma curva e o pescoço dela se esforça para não perder outros detalhes do grupo. Até que não é possível ver mais nada. Os prédios já escondem os ciganos. E a cena toda não durou mais do que cinco minutos.
E só então Alba volta para o trânsito e para si.
Olha o espelho retrovisor, o ajeita para ver o reflexo do seu rosto, retoca o batom, ajeita a franja lisa e loira, respira fundo, acelera e esquece completamente de tudo o que sentiu.

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