sexta-feira, novembro 30, 2007

Linda Flor

Linda tinha um sonho. Não. Melhor: Linda tinha um desejo. Queria um dia ser Flor, Dona Flor, como no romance de Jorge Amado, que sempre estava lá, na sua cabeceira.

A fantástica história da professora de artes culinárias que dividia a cama entre o marido vivo e o marido morto a fazia delirar. Era uma fantasia secreta que alimentava.
Dentista, Linda sempre olhava para o seu marido Olavo e via nele todo o jeitão do farmacêutico Teodoro Madureira que na história só gostava de transar com dia e hora marcados. Olavo era um aplicado contabilista e, na sua lista de prioridades, o sexo estava lá pela sexta colocação: primeiro era o trabalho, e depois, na ordem, vinham o escritório, o carro, o cachorro, o tênis no clube às quartas e sextas e a visita à mãe, todo domingo, no asilo. Sorte de Linda que eles não podiam ter filhos (como Flor, ela era estéril) e, por exceção à regra, Olavo não gostava de futebol. Sem isso, o sexo seria muito mais raro. Mas, a estabilidade do casamento a deixava tranqüila e ela se contentava em só imaginar que um dia poderia ter um Vadinho como o do livro.
Nas suas fantasias, ela queria aquele homem safado, que a virasse do avesso de tanto lhe dar prazer, mas que também lhe trouxesse à vida um pouco do sofrimento e da insegurança que aparecem quando não se tem certeza da lealdade e do amor. Era isso que Linda buscava. E além disso, como não acreditava em fantasmas como era o Vadinho do romance, imaginava que tal indivíduo ainda tinha de ser "invisível" - entrar e sair sorrateiramente da sua casa e da sua cama sem ser percebido.


Linda já tinha filho grande quando Duda apareceu na academia onde ela malhava. Parecia um sonho aquele rapaz. Tinha até o hálito do Vadinho dos seus sonhos, era malandro como ele, lhe falava obscenidades no ouvido e a fazia esquecer completamente da existência de Olavo, que a essas alturas da vida só transava uma vez a cada 20 dias. E ela mergulhou na sua fantasia como sempre desejou e fez o que pode para aproximá-la ao máximo da sua realidade. O queria dentro de sua casa, com ela na maior parte dos momentos. E Duda virou amigo de Olavo.


Os dois se viam todos os dias e também trocavam mensagens e torpedos. No seu celular, quando ela chamava, era o nome Vadinho que ela via no visor. Ela também começou a assinar e-mails que escrevia para ele como o codinome Flor. Ia tudo muito bem, ela vivia em paz com seus "dois maridos", quando a tecnologia os traiu. O e-mail que era para ter sido apagado, por uma desses motivos que só os nerds explicam, ficou lá, gravado em uma pasta de memória.


Foi uma declaração de amor que Joana leu naquela noite. Endereçada ao e-mail de Duda, seu marido, uma tal de Dona Flor o chamava de Vadinho. Joana era uma mulher apaixonada pela vida mas que não admitia ser enganada. As malas do marido foram parar na rua, sem direito ao perdão. E, pela mesma porta tecnológica, a cópia do e-mail de Flor a Vadinho foi para na tela de Olavo.



A fantasia de Linda acabou aí. Olavo quis a separação e, sem ele, ser Dona Flor não tinha a menor graça. Às vezes vê Duda, mas agora o romance perdeu toda a graça. Duda que gostava da aventura, também não encontrou seu rumo. Sem casa, nunca tem para onde voltar. Joana e Olavo é que acabaram amigos.

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