segunda-feira, dezembro 10, 2007

A pele de peças

Tento desvendar o rosto daquela mulher. Sua pele, uma máscara formada por um quebra-cabeças com uma centena de peças... O que será que há sob aquela "pele" de papelão? Seus olhos, talvez de vidro, talvez de plástico, também parecem artificiais. Têm focos distintos e, enquanto um se volta para frente, o outro me atravessa quando percebo que uma peça de sua pele-máscara de quebra-cabeças está para se soltar. Sem querer, descobri um seu segredo.
Ela pode ser doce, terna. E pode também ser dura, indiferente. Em segundos sai de um estado de espírito para outro. Não admite que se diga a ela o que tem de fazer. Por isso, não aceita o que a Ana lhe diz daquele jeito estúpido que só quem conhece o seu coração a perdoa de pronto. Está quase a nos enxotar de lá quando ou começo a falar. Digo o mesmo que a Ana, mas de outro jeito. Digo que ela tem que sair de lá, daquele isolamento, daquele mundo inexistente.
A encontramos sem querer. Procurávamos o seu irmão e nem sabíamos dela. O rapaz, casado, morava em um bairro distante da minha cidade, perto do meu pedaço, numa daquelas raras casas que ainda guardam jardins e quintais com árvores. Fui porque a Ana me pediu. No terreno, eram tantas as árvores que o ambiente era escuro. Não havia flores, só umidade da mata. Eram duas casas velhas, mas com várias paredes de vidro ou janelas gigantes. Não sei bem. Mas eram sujas e mal cuidadas. Antes de chegar lá, eu no volante, descemos ladeiras conhecidas, cruzamos a Carijós. Não sei porque a Ana precisava dele. Ele não queria ser encontrado. Mas foi a moça alta, de cabelos negros, que passou tentando não ser vista, muito parecida com viúvas de filme de guerra, que acabou sendo o nosso tesouro. A cercamos, tentanto convencê-la não sei do quê. A mim, como disse, ela chegou a ouvir. Quase a convenci. Mas ela voltou a se esgueirar quando percebi seu segredo. E acordei no momento em que ela me atravessava com seu olho direito, de vidro. Na justa hora que sua máscara certamente se desmancharia. Com a máscara, ela pareceu assustadora, mas no fundo eu sabia que ela era apenas uma mulher solitária.

Um comentário:

Anônimo disse...

sei que vestes o casaco de gola peluda se de manhã faz frio
sei que dás laços nos atacadores dos sapatos com esforço
sei que tosses
que te arrepias

sei das noites em que a dobra do lençol te sobe ao rosto
absorvendo a respiração

sei de ti tantas coisas dispersas
que as coisas que sei de ti
só sei de ti

Frederico Mira George


(achei isso bonito. O título parece q é
"Tipografia". Mas tb
podia ser alguma coisa como
'a matéria dos sonhos')

Se ainda fizermos o
jantar antes do Natal,
todo mundo vai ter q
trazer um vinho... e
um galhinho de arruda ;)

bjs