quarta-feira, outubro 25, 2006

Viagem na Copa do Mundo

O muro quebrado continua lá. Já são mais de quatro anos. Depois da suave curva à direita, é aquela destruição em formato de triângulo na mureta caiada que separa a pista do Tamanduateí. Que desgraça que é a vida! Tão frágil, tão fugidia.

O garoto se achava o máximo. Carrão novo, shorts, camiseta, naquele junho com sol de rachar como quase sempre ocorre no inverno paulistano. Tudo é sem sentido, esquisito mesmo, até o tempo.

Jogo do Brasil na Copa do Mundo. Ele passa na casa do amigo, lá na Mooca ó meu, e avisa que a galera vai se encontrar num clube lá na Zona Sul, ou na Zona Norte, não importa, mas tem telão, tá calor e eu tô com o carro que o meu pai me deu.

O rapaz segue com um amigo pela avenida do Estado. Em outro carro, vai o outro amigo com uma namorada. Todos querem chegar rápido. Domingão, solzão, jogo e eu quero mais é beber.

Mas o garotão também adora correr. O selo símbolo de rachas diz pro bom entendedor de que praia ele é. E ele acelera.

Emparelhado com o carro de um estranho, só pra provocar, ele continua. Mas não percebe a curva. E a curva suave de repente fecha mais. Ele perde o controle.

O carro atravessa uma, duas, todas as faixas e bate na mureta branquinha, recentemente caiada. Capota. Se arrasta por mais uns cem metros de ponta cabeça até parar por falta de mais impulso.

O carona, amarrado com o cinto, fica firme no banco e tem só escoriações. É levado pelo resgate. O garotão de shorts e camiseta, que nunca acreditou no fim da vida, tem a cabeça esfregada no asfalto junto com a lataria do carro. Não há lugar sem sangue no exíguo espaço da máquina de quatro rodas.

Carro, corpo, rosto, tudo é irreconhecível. Então o corpo, que não serve mais pra nada, fica lá no meio fio. Depois, assim como a lataria do que era o carro, é arrastado pra calçada, porque o trânsito tem que fluir.

Quando chego, ainda afastada, percebo a mãe sendo retirada da cena. Melhor assim. Não preciso falar com ela. A mulher quis ir lá, não acreditaria se não visse com os próprios olhos. É o início do fim de sua própria vida que está jogado naquela calçada toda quebrada e suja.

Meu motorista logo dá um grito: o que meu sobrinho está fazendo ali? É o amigo que estava no outro carro com a namorada. Tio, eu vinha logo atrás, não era racha, não sei o que aconteceu. Seu moleque, podia ser você, seu irresponsável! Cadê seu pai? Eu vou chamar sua mãe e quero ver você pegar o carro de novo!

O muro quebrado continua lá. Já são mais de quatro anos. Já passou a outra Copa. O Brasil não foi campeão. Mas o muro, do mesmo jeito, ainda está lá. Uma marca de triângulo mal feito na minha memória.

Um comentário:

Anônimo disse...

me mandaram fazer um caso desses no último plantanzáo... molecada de jundiaí, cinco num corsinha, se arrebentaram de graça num poste no meio da avenida europa... um deles, 22 anos, morreu na hora, o resto saiu na boa... rezei tanto que fui ouvida: qdo cheguei lá só tinha o carrinho arrebentado, e os fantasmas de uma moçada feliz ...

vida pra lah de frágil... a minha, a sua, a deles... como daria pra viver sem a benção do esquecimento??

bjs