domingo, dezembro 10, 2006

Ardil - Red Rose

A rosa era vermelha. Estava encaixada na persiana da janela onde ela havia dormido aquela noite. A janela era de madeira, daquele tipo que se usava nas casas antigas e que hoje em dia já não se encontra mais. E estava pintada de azul.
A flor vermelha se destacava de longe.
Quando a menina acordou e abriu a janela encontrou lá a rosa roubada, rubra, sua favorita. Nas folhas verdes, declarações de amor escritas com caneta fina preta. “Rosa de amor só vale se for roubada”, ela havia dito a ele na noite anterior.
E ele fez o seu capricho. Pulou o muro da casa da vizinha, baixo, feito mesmo para ser pulado, e arrancou a rosa, sem antes se machucar com seus espinhos.
E a deixou feliz.
A menina da metrópole se encantou com esse costume do interior. E, até por ser da metrópole, lhe choviam pretendentes. E ela decidiu namorar o que cumprisse o ritual. E ele cumpriu. A risca. “Meu amor, minha flor, você é tudo, você é linda, você quer ser minha?” Que tudo era aquilo para aquela menina!!! Declaração de amor tosca, infantil até, mas era o máximo naquele momento.
Foi seu primeiro namorado. Seu primeiro grande amor. Ela 15, ele 18. Ela linda, ele tímido. Ela virgem, ele no ponto. Ela da cidade grande, ele do interior.
A paixão foi tão avalassaladora que toda cidadezinha se envolveu. Todos torciam por eles.
O pai na cidade grande se assustou. “Se souber de algo que estrague sua reputação você não volta pra lá”, ameaçou. A parentalha se ocupou de protegê-los. As tias os levavam para as suas casas, não os deixavam namorar nas praças, na escada da igreja, nas esquinas. Os beijos mais íntimos eram dados dentro de saletas, nas varandas das chácaras, longe dos olhos maldosos. “Esse casal é lindo”, diziam, melosos.
Mas as férias acabaram e ela partiu. E ele ficou, prometendo amor e fidelidade eternos, chorando de saudades na porta do ônibus. Meses de namoro por cartas quase diárias eles tiveram.
Mas os hormônios da adolescência não param de ferver. E um dia chegou a carta derradeira: “Desculpe, mas me apaixonei por outra aqui. É melhor terminarmos.”
A traição é um tipo de navalha que entra no coração das pessoas. E foi a dor de uma navalhada que ela sentiu com aquela carta.
Não que estivesse só e fosse absolutamente fiel. Na verdade, já estava com outro na grande cidade, nos bailes de domingo já havia trocado beijos e mais beijos com vários e se sentia bem menos apaixonada do que nas férias. Mas a mulher traída, mesmo a adolescente, é terrível e ardilosa.
Ela chorou uma semana trancada em seu quarto e depois o esqueceu. Só sobrou o capricho que logo logo seria realizado.
Ele, por sua vez, comeu o pão que o diabo amassou na cidadezinha do interior. Filho da terra, se apaixonou por uma filha da terra, grande amiga da namoradinha da grande cidade. Mas nem o amor sincero os redimiram. Viraram traidores. A cidadezinha ignorante os maltratou e eles viraram um casal de parias. Ninguém os convidava pra nada, todos os consideravam traidores da jovem virgem da cidade. Mal sabiam que ela, na metrópole, já não chorava mais. Só tinha a raiva das traídas.
E quando, lá perto de um Natal, ela voltou pra cidadezinha, não sossegou enquanto não o reencontrou. Chegou e foi direto ao baile da cidade, onde todos estariam. Estava linda como nunca. E ele, quando a viu, quase enlouqueceu. E ela esperou até o fim. E ele levou a namorada pra casa. E ela fingiu que partiu, mas ficou lá, à espreita, no portão da casa dele, encostada em uma árvore. E, quando ele chegou, lá estava ela. Cínica, irônica e linda, perguntou chorosa? “Mas, por quê?” E ele não soube responder. Que falsa ela era. Já estava com outro, ou outros, e ele só queria ser feliz na cidadezinha do interior. Mas ela não sossegou até seduzi-lo e arrancar-lhe um longo beijo. Arrancaria mais se soubesse como. Mas ainda era virgem e um tanto inexperiente.
Despedida? Não. Vingança. Ela estava vingada da outra, que um dia tinha sido sua amiga naquela cidade do interior.
Ela dormiu feliz aquela noite. Seu sono foi profundo. Ele não dormiu. Sua consciência pesava. Como são bobos esses rapazes... Até hoje sua consciência pesa por causa daquele beijo no meio da madrugada na frente do seu portão.
Vinte anos se passaram. O casal foi perdoado pelos da cidadezinha. Se casaram em grande estilo, tiveram filhos lindos. Ele tem um bom emprego, a mulher cuida da casa. Ele vive a vida dos homens justos e normais, sem sustos ou aventuras. Parecem felizes.
Ela teve vários homens, se divertiu pela vida, rodou o mundo, mas um dia também cansou e resolveu arriscar a normalidade. Casou e teve filhos. Enfim, sossegou. De vez em quando, volta à cidadezinha e o encontra por acaso, em alguma esquina, na casa de algum parente. E ela ainda se diverte, porque até hoje ele não tem coragem de encará-la como alguém comum. Talvez a vergonha da traição, talvez o medo da mulher saber do último beijo, talvez o arrependimento de ter optado pelo comum e conhecido pouco do mundo. Quem vai saber?
Ela já não se importa mais. Mas não consegue vê-lo de longe ou de perto sem desenhar no seu rosto um sorriso um tanto quanto vitorioso.

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