segunda-feira, junho 01, 2009

Com amor e sabedoria

O meu médico me olhou daquele jeito estranho quando eu lhe disse que estava me separando.
- Poxa vida, Viviane, mas por quê? Vocês estão há tanto tempo juntos, passaram por tanta coisa....
- Mas nós estamos bem, doutor, estamos - cortei, até porque já não aguento mais responder a essa pergunta quando digo para alguém que estou me separando.
O meu médico é um cara novo, mas conservador, como a maioria das pessoas. Acho curioso esse conservadorismo que até as pessoas que parecem "avançadas" demonstram quando eu comunico que estou saindo do meu relacionamento de 20 anos.
Não sei o que é pior nelas - a cara de espanto ou de pena.
Primeiro vem o espanto porque eu e o Mauro somos o que todo mundo idealiza como "o casal ideal". Relacionamento pacato, um não enche o saco do outro, casa boa, renda média mensal também boa. Além de tudo isso, nunca nos viram brigar, nos mal-dizer, nos agredir. Vivemos, sim, em paz.
Quando conto, geralmente a pergunta, que também vem é assim, às vezes até indignada:
- Mas você parece tão bem?
- Sim, estou bem porque estou feliz - respondo, e já emendo a explicação para não deixar dúvidas - O tesão acabou. Sobrou o amor de irmão.
Ou seja, não estou sofrendo com isso. Tenho que explicar que a parte do sofrimento pior é quando a gente descobre que não quer ficar junto e não sabe como dizer para o outro ou como fazer para o outro entender. E que essa parte da história já passou. E veja só, eu sofri muito sim, e poucos perceberam. Mas agora percebem que eu estou feliz. Isso é bom.
E, se não vem o espanto, vem o olhar de pena, como se eu tivesse abrindo mão de uma fortuna incalculável. Em boa parte das vezes vem mesmo os dois olhares juntos, como um míssel acompanhado de uma voz embargada, de pesar e melancólica. Algo assim:
- Mas o que deu errado?
- Não deu nada errado.
Tenho tentado me divertir com tudo isso. Analisar mesmo a reação das pessoas. Percebi que os mais velhos são os que mais me entendem. E as outras mulheres separadas também.
Eu não sou muito fã do Jabor, mas outro dia a Glenda, uma colega de trabalho, me contou que ele fala exatamente o que eu havia acabado de explicar para ela:
- Meu casamento não deu errado. Me irrita quando dizem isso. Deu muito certo. Só um relacionamento que deu certo explica porque estamos nos separando sem rancores, não estamos contando com quantos talheres cada um vai ficar, nem disputando para saber quem vai ficar com o fogão e a televisão. Estamos nos ajudando. A Bia, nossa filha de 8 anos, está participando de tudo, elaborando por conta seu calendário semanal para quando nós, enfim, estivermos em casas diferentes. Com ela, já falamos sobre fim de namoro, amor, divórcio, padrastos e madrastas que poderão vir. Ela não vê a hora da vida dela também mudar.
É raro, eu sei, mas eu gostaria que todo casamento terminasse assim.
E eu espero que a gente seja um exemplo sim.
É nisso que eu acredito, e quero provar que é possível.
Não podia fazer diferente.

PS - Há muitos anos, o Zé, um amigo que havia havia se separado, me mandou um trecho do livro "Ame e dê Vexame", do Roberto Freire. Talvez ele não tenha a dimensão do quanto aquilo mexeu comigo, porque lá estava escrito exatamente o que eu já sabia, mas nunca tinha conseguido expressar em palavras. E nem imaginava que o que eu sentia era possível de colocar em prática. Quando eu li, me senti feliz como uma criança quando consegue ficar em pé pela primeira vez e dar um passo. Tinha vontade de gritar: eureca, é isso! O trecho é o seguinte:


"Quando o amor acaba por ele mesmo, quando existe incompatibilidade entre as personalidades dos amantes, suas reações à perda não chegam nunca ao desespero trágico (...) Os amantes sabem que só se ama por inteiro, ou então o que estão fazendo não é amor, mas uma associação de interesses mútuos, um negócio. Além disso, quando se ama, não se está pensando em segurança, duração, controle, posse, pois isso corresponde à forma com que o autoritarismo capitalista familiar ou de estado se expressa no plano pessoal e afetivo. Se sou um libertário, desejo que tanto eu como meu parceiro vivamos o amor em liberdade, na emoção, no espaço e no tempo. É o amor em sí mesmo que comanda a intensidade, a beleza, a forma e a duração do nosso amor, em cada um e entre os dois, jamais o contrário."

São palavras sábias, mas difíceis de serem vividas.
Como uma criança, - que depois que fica em pé dá muitos tropeços e sofre muitas quedas, mas que enfim sai andando e correndo por aí - o meu esforço é para conseguir viver assim.
Com muito amor e um pouco de sabedoria.
-

4 comentários:

Carlos Mercuri disse...

Minha querida Vivi, louvo sua coragem em expor publicamente essa sua intimidade e a generosidade em o fazer, querendo servir de exemplo. A serenidade com que me parece estão levando a questão não me surpreende, pois conheço um pouco o temperamento dos dois e jamais imaginaria conflito. Fico ainda mais feliz de os conhecer e quero desejar que a felicidade continue a habitar seus caminhos. Olha, minha separação não foi tão serena, mas nunca deixamos de ser amigos, e posso dizer com segurança que tenho hoje com Joana uma relação melhor do que quando casados. E acho que é assim mesmo. E curioso: em um aniversário dela, eu dei esse livro do Roberto Freire. Não sei se ela o leu, mas Isabela está lendo. O que acho ótimo. Grande beijo a vocês.
Boga

Nádia Burghi disse...

Vivi,
Lembra uma vez que li seu blog e fiquei preocupada porque achei vc triste? Na época te mandei um recadinho... Agora vai outro: que bom que vc tá feliz!! Se precisar de ajuda para decorar a casa nova me procure. Adoro participar de alegrias também...
Beijocas

Anônimo disse...

entrei pra falar oi
e saio correndo pra voltar a
trabalhar... o expediente
aqui agora é dia e
noite (rs)
bjs, querida!!
San

Viviane de Campos disse...

vivi...
já li um texto do jabor onde diz q o relacionamento é maravilhoso enquanto dura e não é porq acabou q foi ruim....
é verdade o q vc disse , temos q aproveitar o tempo melhor, saber até onde ir num relacionamento, para continuarmos sendo felizes...
vou te linkar tá?
bj