sexta-feira, setembro 25, 2009

O dia que o meu bairro explodiu


Foi com o coração na mão que eu cheguei ontem na Rua Américo Guazzelli, exatos três minutos depois da explosão da loja de fogos que levou meio quarteirão aos ares. O estrondo aconteceu na hora que eu  passava de carro pela Uruguaiana, meu caminho diário para o jornal. O som do rádio estava alto e, mais do ouvir o barulho, eu senti um trepidar estranho no carro.
Mas, o que mais me chamou atenção no momento, e que me fez imaginar que aquilo não era fruto da minha imaginação, eram os semblantes das pessoas saindo de suas casas para também ver o que havia acontecido. A expressão era de assombro. Todos olhavam para o céu e várias pessoas começaram a correr em direção à torre de fumaça que se via no céu. Eu nunca tinha visto rostos tão assustados. Era um pânico coletivo.
Eu, na minha curiosidade jornalística, dei meia volta no carro e também fui procurar de onde vinha a fumaça. Abri o vidro e o ar era puro cheiro de pólvora. Alcancei a Firestone e parei na esquina da rua da loja. Alguns policiais já estava lá, tentando evitar que as pessoas se aproximassem. A via estava coberta por uma nuvem de fuligem. O asfalto parecia terra. No fundo, a uns 50 metros, a loja ainda pegava fogo e tinha explosões. Uma Fiorino atravessada da rua estava destruída. Outros carros estacionados também haviam sido atingidos. Os fios de alta tensão estouravam. E eu, que sempre relato tragédias, comecei a tremer.
É que o jornalista geralmente chega o local do acidente com a situação um pouco controlada. Autoridades já isolaram a área e os colegas estão junto. Mas ali, tudo ainda era caos e espanto. Nada estava organizado.  As pessoas, vizinhos, ainda não conseguiam falar. Liguei e pedi ajuda para o jornal. Aquilo era grande demais para um só jornalista. Também liguei para casa e pedi pra o Mauro me levar a máquinas fotográfica. Eu, ali, só podia fazer o meu trabalho.
Vi as primeiras pessoas a serem socorridas. Uma mulher corria desesperada, com pernas e braços sangrando, falando que o filho jovem e o irmão deficiente estavam dentro da segunda casa após a loja. Os policiais foram até o local e retiraram os dois, que só estavam assustados, mas não se feriram. Um de pijama e o outro enrolado em um lençol. A mulher continuou por lá, andando de um lado para outro, completamente desnorteada. Dos paramédicos, ela só queria água. Conversei com ela. Se preparava para tomar banho quando ouviu o barulho. Saiu para ver o que era e foi jogada no chão da calçada.
Em seguida, os policiais trouxeram um casal de idosos, também em choque. O Samu os levou para o hospital. Depois, eu descobri que os dois moram lá há uns 60 anos, criaram seus filhos no local. Uma neta deles, que chegou desesperada buscando notícias, me contou. Tentei acalmá-la, dizendo que tinha visto velhinhos sendo resgatados. E mostrei as fotos para ela, que os reconheceu e me agradeceu, aliviada. Me senti reconfortada. Tinha tranquilizado uma família, pelo menos. Geralmente o jornalista é visto como aquele que quer ver a tragédia. É bom conseguir ajudar alguém nessas situações. Tinha conseguido pelo menos ajudar alguém.
As demais equipes de reportagem só chegaram ao local mais de meia hora depois. Não sei direito o tempo, Lá, tudo parecia demorar muito. Mas, de fato, tudo foi muito rápido. Eu sai de lá às duas da tarde, deixando duas equipes minhas e mais duas a caminho de Santo André. Para o jornal, tinha um ótimo material. Fotos e histórias exclusivas. Para minha vida pessoal, mais um experiência. E mais um pouco para agradecer. Afinal, tive sorte. Por minutos não estava a uma quadra do local, no farol onde várias carros bateram. Por sorte, não tinha feito o caminho que passa na frente da loja, como às vezes faço.
Mesmo satisfeita, fica aqui no peito um pesar, uma tristeza. Afinal, é uma tragédia sem precedentes para nós, daqui da região. Acho que todos acabamos atingidos. Cada um de nós tem uma história daquele canto do bairro, uma memória. São vidas destruídas. Mesmo que a gente não conheça as pessoas pessoalmente. Ali ficará sempre marcado como um lugar de muita dor. Abaixo, os corpos das duas vítimas fatais.


Um comentário:

Nádia Argeri Burghi disse...

Que triste!! Só me liguei que era perto da sua casa agora a pouco pois vi na tv um cara falar "Vila Pires".
Beijo e se cuida.