segunda-feira, julho 10, 2006

Se encolhendo

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Ele acordou naquela manhã e não quis levantar da cama. Dormir já tinha sido um sacrifício. O barulho da chuva... Ele sempre adorou dormir com o barulho da chuva, trovões ao longe, o cobertor quente. Porém, daquela vez, ouvir a chuva batendo na sua calha foi como ouvir marteladas que o impediam de relaxar. Onde ela estava?

A chuva insistente tinha decidido não parar e ele dormiu com seus pesadelos de sempre. Monstros que o alcançavam. Corrida por um mundo escuro e negro onde ele sempre escorregava. E, no final, a solidão doendo na alma. Mesmo quando estava acompanhado, ele sentia que acordava solitário, transpiração fria, respiração ofegante. Aquilo sempre se repetia.

Naquela manhã só incomum por causa da chuva que não parava, ele se encolheu ainda mais debaixo do cobertor, apertou seu travesseiro e quis voltar a ser criança. Criança, achou, não pensaria nela. Mas não conseguia ser criança. Sentia como homem que era. Pensar naquela mulher era parte da sua rotina. Acordar com ela todo dia, dirigir a ela seu primeiro pensamento era o seu tormento. Tormento que ele adorava e cultivava. Porque era tudo o que lhe tinha sobrado dela.

Com a chuva, porém, tudo era mais doloroso. Ele suportava a lembrança na rotina, mas a chuva lhe trazia um desejo por algo que não se completou. Uma culpa sem sentido já que nada acontece fora de sua época. Mas era como se ele já a tivesse perdido. Onde estaria aquela mulher?

5 comentários:

Anônimo disse...

vais deixar o blog de lado agora em tuas férias, pois não?

então te mando trecho de um texto tirado daquele blog q te falei, da portuguesa...

talvez bem mais 'real' q o poema da CM, que vai por um caminho por demais 'espiritualizado', ele fale algo sobre amor ou (des)amor...
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Dois

Um dia, Jano disse-me: “Sempre achei que tu e aquela a que chamas a da Carta eram feitos um para o outro”. Fiquei perplexo. Não há pessoas assim, feitas uma para a outra, a não ser na muito primária retórica dos afectos praticada pela opinião vulgar. Jano quis fazer valer o seu ponto (isto é, convencer-me de que eu e ela, éramos, de facto, feitos um para o outro): falou-me de “complementaridade de interesses”, de ambições partilhadas. Poupou-me, ao menos, à banalidade do “projecto vida”, o lugar-comum de quem confusamente pensa que a vida é mais do que uma sequência de circunstâncias, a maior parte das quais perfeitamente aleatórias.
Expliquei-lhe que nunca vi a relação entre duas pessoas dessa maneira:
- São apenas duas solidões que se complementam – ou nem isso, como na maior parte das vezes.
Jano, levemente irritado, fez-me ver que, se tudo fosse como eu digo, não havia casais felizes.
- E não há, disse eu. Às vezes, raramente, a solidão de um ampara-se na do outro; e, mais raramente ainda, as duas solidões encaixam uma na outra, até simularem uma fusão feita de omissões e renúncias, de segredos avaramente guardados e de pequenas traições disfarçadas.
Quase em desespero, perguntou-me a qual dessas categorias se reconduzia a relação com a minha amiga da Carta.
- A nenhuma delas, respondi. No dia em que saí da casa em que vivíamos, à Penha de França,todas as coisas que eu lá tinha couberam num saco de viagem. Já vês: o nosso não era o caso de duas solidões que se aproximam por interesse, mas o de dois egoísmos que se atraem por curiosidade.

António Mega Ferreira, in "O que há-de voltar a passar"

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me liga ainda esta semana, tá?
bjs

Vivi disse...

Bem, Sandra, eu acho que não concordo nem com um nem com outro. Não consigo acreditar nessa seqüência de circunstâncias perfeitamente aleatórias... É dar demasiado valor ao destino, como se não fosse possível mudar nada... Mas também não gosto dessa expressão projeto de vida. A vida é tão ampla e falar em projeto me parece muito pouco. Talvez projetos, uns bons, outros nem tanto. Uns longos, outros mais imediatos. E essa coisa de que não existem casais felizes é outra história bem relativa. Primeiro, há o que é a tal da felicidade pra cada um. Como julgar? Até outro dia eu achava que felicidade era uma coisa. Hoje, mudei de idéia. O importante é que a vida muda. Isso é que é bom. E esse cara é muito chato. Essa história de que a são duas solidões que se encaixam... Quem disse que solidão é uma coisa tão ruim assim? E se duas pessoas vivem melhor juntas, o que há de horror nisso? Omissões e renúncias não ocorrem só entre casais que vivem juntos. Acontecem a cada hora da vida. Segredos guardados avaramente? Quem disse que eu tenho que compartilhar tudo com meu parceiro?
Bem, deixa essa filosofia barata pra lá. Hoje estou inspirada.

Anônimo disse...

o texto era pra continuar uma reflexão, não prá provocar... (rs)
não acho o cara chato, não...
hoje vou até a livraria portuguesa aqui do lado, ver se acho algum livro dele... o blog do gaúcho é que tá pra lá de chatinho...
besos

Vivi disse...

Não me senti provocada, não..
Ajudou na reflexão, sim..
Mas o cara é muito deprê, mesmo assim gostaria de ler tudo. O outro gaúcho tá chato mesmo. Tá merecendo uma machadinha... rs, rs
bjs

Anônimo disse...

essa da machadinha vc tirou do baú (rs)