quarta-feira, setembro 13, 2006

As Quatro do Fusca

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Eu fiz a proposta: vamos sair nós quatro para ter uma conversa franca. Éramos amigas. Ou imaginávamos que assim o era. De toda forma, vivíamos num tempo e dividíamos um espaço de sonhos, dúvidas e apreensões.
E lá fomos nós. Eu ao volante do Fusca, párei naquela praça escura do 2º subdistrito. Do lado de fora, a tempestade; do lado de dentro, vidros embaçados, respiração oprimida, nós nas gargantas.
O objetivo: falar umas às outras o que significava aquele homem para cada uma. Falar abertamente. Ouvir sem rancores.
Minto se afirmar saber exatamente o que dissemos, quais as palavras. Tenho reminiscências.
Com certeza eu fui a primeira a falar. Falei de envolvimento, de não saber bem o porquê ele exercia sobre mim tanta atração, de não conseguir dizer não. Tinha um pouco de vergonha das outras três. Como se, me envolver com ele, fosse um grande erro, uma traição, como se elas não tivessem idéia, como se eu desse a elas a certeza que queriam ter, mas que a partir dali me condenaria a seus olhos para sempre.
Outra falou de transas, sim, mas sem importância. Ela se entregava por passatempo, para ela era mais um, não queria incomodar ninguém, e só curtia se ele estivesse disponível. Não entendia as nossas angústias.
Mais uma confessou uma atração desconhecida, meio platônica, meio paternal, que a assustou em princípio porque já tinha listado seus defeitos e já o tinha rotulado como pessoa perigosa. Até conversara com ele sobre o assunto e ele a surpreendeu.
Por último, a que sempre a meus olhos pareceu a mais frágil de nós, aquela por quem eu devia me preocupar, falou da sedução, do medo, do saber ser inconseqüente, da curiosidade, do querer provar algo que outras já haviam provado.
Como já disse, não sei ao certo o que falamos, com quais palavras. Devo hoje misturar o relato de uma com o de outra. Mas sei bem do que não falamos.
Não falamos de amor ou de paixão. Acho que não porque não quiséssemos, mas simplesmente porque não sabíamos traduzir em palavras tais sentimentos, se é que é possível traduzí-los.
Falo do amor da mulher pelo homem, aquele que não tem dúvida, aquele que não tem culpa, aquele que simplesmente é, sem artifícios.
E também não falamos de sexo. Do bom, do natutal, daquele em que os dois aprendem a se conhecer, sem restrições. Não falamos porque sexo, entre nós, naquela época, ainda era tabu, apesar de sermos próximas.
Não falamos também de cada uma de nós, ou como cada uma se sentia em relação à outra naquele momento.
Acredito, portanto, que não falamos tudo o que devíamos falar. Parece que terminamos a conversa aliviadas, mas naquele carro pairava uma névoa estranha, dolorida, obscura mesmo. Durante anos acreditei que aquilo tinha nos unido, mas hoje sei que isso não é verdade. Só amadurecemos um pouco com aquele encontro.
Mais do que ser envolvente, com pesar, concluímos que ele nos manipulava. Concluímos, juntas, que o melhor que faríamos era nos afastar dele, deixá-lo.
Foi uma conclusão tácita. E foi o que fizemos: o deixamos, uma a uma, cada uma a seu tempo e de sua forma, na sua profunda solidão.

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