Não entendo porque, nesta terra, a vítima tem sempre que ser a culpada.
Se a mulher é violentada, o comentário é:
"Mas olha a roupa que ela estava? Vestida deste jeito só podia querer isso mesmo!"
Se a garota ou o cara se apaixonam e o caso não dá certo, a verdade mais que certa é:
"Eu te disse que ia quebrar a cara! Não soube escolher! Todo mundo sabia que x não prestava. Era só olhar!"
Se estouram o vidro do seu carro no farol e levam sua bolsa, a bronca é assim:
"Sua bolsa estava no banco, não é? Não sabe que não pode?"
Foi uma chamada assim que eu levei hoje. Foi uma pena, porque o dia estava perfeito.
Passei o dia no zoológico com as meninas. Bia, Mari e Helô, três belezinhas correndo pelas alamedas buscando leões, lobos, macacos, pássaros e tudo o que elas tinham direito. Piquenique debaixo das árvores, lanche caseiro. A Val junto dando uma força. Cinco meninas-mulheres curtindo a liberdade-feminina impossível quando o mau-humor e falta de paciência masculinos estão por perto.
( Cada vez mais me convenço que as mulheres não mais livres sem culpa. E isso vem desde a infância, me parece. )
É difícil manter o sinal de alerta o tempo todo. E nessas, eu, que vivo tensa com medos de roubos e assaltos, relaxei. Deve ter sido entre o macaco-prego e o chimpanzé, depois do sorvete de maracujá com calda de abacaxi. Mas só percebi na lojinha de tranqueiras, na hora de pagar pela girafa de pelúcia. Cadê a minha carteira? Já era! Que raiva! Só não acabou com o meu dia porque, de fato, ainda haveria muito mais neste dia.
No posto policial, o sermão:
"Mas, onde estava a sua carteira?"
"Na bolsinha do lado de fora da mochila", eu respondi, já sabendo o que viria em seguida.
"E de que jeito a senhora estava levando a mochila", ele me olhou, com um ar de reprovação.
"Nas costas, eu sei, não podia, mas me distrai."
"Mas, minha senhora, no zoológico, inda mais num dia como hoje, tinha que tomar mais cuidado."
É, eu sei, eu sei. Em dias como os de hoje, a gente vive tendo que tomar cuidado com tudo, para não ser roubado, para não ofender, para não se machucar e não se decepcionar com quem a gente confia e acredita. Mas, acontece, que é bom relaxar e esquecer um pouco que estamos nos dias de hoje.
Dá pra tentar viver um pouco sem medo?? Ser feliz é tão errado assim?
Bem, é certo que no zôo ninguém me ajudou. Se quisesse, ia fazer um BO num DP lotado da região. Ou pela internet, que é o que eu acabei de fazer.
Amanhã, vou atrás da segunda via do documento.
Pena que nesta vida não exista segunda via de coração.
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