terça-feira, maio 02, 2006

Jéssica

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A Jéssica passou em casa no último domingo. As visitas da Jéssica sempre me deixam desconcertada. Tudo porque eu não sei mais o que fazer... Sua visão me pesa na consciência...

A Jéssica freqüenta minha casa há uns 3 anos. Bateu lá a primeira vez para pedir. Sua vida é pedir. Sua família só sabe pedir. Contam no bairro que a avó dela, Cícera, era o tipo de pedinte às antigas, que todas as donas-de-casa ajudam. Até que Cícera sumiu e seu filho, dias depois, apareceu com cara triste, contando que a mãe havia morrido e que ele não tinha dinheiro para pagar o enterro. O bairro se sensibilizou e todos que sempre ajudaram Cícera deram dinheiro para o seu enterro um pouco mais digno. Mais algumas semanas depois a Cícera volta a pedir pelas casas, muito viva!! Não sabia que estava "morta". Seu filho enganou todos... Esse homem é o pai de Jéssica.

Me sensibilizei de cara com a menina. Começamos a conversar e ela passou a confiar em mim. Sempre vinha com um irmão ou irmã mais novos. No começo, achei que poderia mudar a vida da garota com conselhos, cadernos, livros, palavras, incentivos. Mas sempre lhe dava também comida. A Jéssica e os seus estão sempre com fome. Devoram com gosto as xícaras de café com leite, pão com manteiga, bolo e bolachas.

Para ajudá-la a encontrar um caminho que não passasse pela mendicância, passei a comprar dela bombons. Primeiro, ela pegava de uma vizinha, depois passou a fazer ela mesma em casa. Ajudei a comprar o primeiro material...

Também dei-lhe um pito, para ela não pedir por aí. Percebi que a mãe a obrigava. Disse para a sua mãe que a ajudaria, mas se descobrisse que estava mendigando a entregaria (a mãe) para o Conselho Tutelar. Liguei para a sua escola, tentei mobilizar meio mundo....

Mas a vida da Jéssica é tão difícil... Todas as tentativas se perdem... Fazer bombons, por exemplo, não deu certo... Com sete crianças em casa e geladeira vazia, o chocolate desaparecia sem ela perceber.... Um sábado a flagrei na rua de cima, sentada na calçada com uns quatro irmãos, comendo algo que alguma casa tinha dado. Parei o carro, a chamei, ela ficou branca... Sabia que eu havia descoberto que ela ainda pedia... Como endurecer com a criatura???

A Jéssica é a mais velha de sete irmãos. Quando a olho vejo com vergonha tudo o que falta neste país. Mora num barraco numa favela. No último verão, numa tempestade, um barranco caiu sobre o barraco, que foi destelhado. A prefeitura até refez a cobertura, mas quando chove tudo inunda de novo, por causa das goteiras.

A mãe e o pai nunca se preocuparam em evitar filhos... Meu Deus, prá que colocar oito no mundo!!! De vez em quando, a mãe trabalha em uma frente de trabalho do estado ou da prefeitura e consegue ganhar um salário mínimo. Mas são oito filhos, mais o marido que bebe, mais a sogra Cícera que não pode mais pedir como pedia antes....

A Jéssica sempre diz que a família não tem dinheiro para comprar o gás de cozinha. E ela sai de casa em casa pedindo para as pessoas o dinheiro do gás. Deve mentir... Percebo que tem vergonha de pedir tudo o que precisa... Mas, quando falta mesmo o gás, a mãe acende uma fogueira para fazer a comida, e os vizinhos por motivos óbvios a obrigam a apagar. Não tem coisa pior que fogo em favela.

A Jéssica não consegue ir além na escola. Há anos está na oitava série. Hoje está com 17... A escola diz que a "família é totalmente desestruturada".... Duvido que algum professor, um dia, tenha olhado pra ela...

Outro dia apareceu de noite em casa, no meio da chuva, com um amigo. Eu não estava, meu marido os colocou na varanda, perguntou se queriam comer algo, o que precisavam e mandou me esperarem. Não aceitaram a comida, mas esperaram a chuva passar e desapareceram na noite.

É uma menina angustiada, triste, que sempre parece ter um nó na garganta, uma vontade de chorar e de gritar que não quer essa vida. Parece que sabe que tem um destino de pobreza, e não consegue uma forma de se livrar dele... E eu acho que nunca conseguirei ajudá-la... a Jéssica.

Um comentário:

Vivi disse...

A Sandra tem razão...
Esse tá muito grande...
Tenho que editar...