domingo, março 05, 2006

Eu-mãe e o guardião

Que mãe quero ser pra Bia? Essa é uma pergunta que sempre me faço.

Hoje fiquei nos observando, a mim e a ela, uma curtindo a outra, sob o sol, na piscina. A Bia é medrosa, não gosta de ficar só, mas eu não sinto que devo protegê-la o tempo todo. Gosto de contar pra ela como as coisas ocorrem e deixá-la curtir, se arriscar. É uma missão difícil. Sempre digo: "Vá, Bia, não tenha medo. Qualquer problema, eu estou por aqui, mas você tem que ir só." Não importa com quantas pessoas a gente conviva, com quantos a gente converse ou quantos saibam dos nossos segredos... as decisões mais importantes da vida são sempre solitárias.

Enquanto ela se emancipava um pouco hoje, se misturava naquela multidão de crianças, eu ficava de longe, olhando, preferindo o sol à água. De vez em quando, a perdia no meio de dezenas de meninas como ela, de rabo de cavalo e tic-tac na cabeça. Um frio invadia a minha barriga, mas aí ela reaperecia como uma mágica, pulando, brincando, mergulhando, gargalhando, abraçando uma amiguinha...

De vez em quando, era ela que começava a me procurar. Olhava no mesmo sentido em que me deixou, tentando achar o meu perfil. Eu percebia, acenava, ela sorria, às vezes corria pra me dar e receber um beijo, às vezes voltava à sua brincadeira, nem aí pra mim. O importante, eu pensava, é que ela sabia que eu estaria lá, pra dar aquela força, quando e se necessário.

Olhando lá pra dentro, acho que é isso que eu venho buscando... Alguém que me mostre o início do caminho, me dê o estímulo para trilhá-lo e me observe seguindo, independente, respirando livre. Saber que há alguém para eu voltar e dar ou receber um beijo, sem o compromisso de dar e receber o beijo. Um guardião, que me conheça tão bem que eu nem precise falar e nem pedir para ser ouvida. Que mesmo que eu não o veja, saiba que está lá. Que se orgulhe do meu esforço. Alguém como um espelho, onde eu possa me olhar e ver o meu reflexo, sem culpa. Deus? Anjo? Não, nada disso. Alguém tão humano quanto eu.

Na piscina, tentando encorajar a Bia a enfrentar seus medos, enfrentei eu o toboágua: um tubo longo e alto, sem um fim visível, branco como o excesso de luz, por onde você escorrega a uma velocidade indescritível. Ao escorregar, o tempo parece que pára. A única reação possível é o grito. Um mergulho violento e, por reflexo, uma gargalhada de perder o fôlego. Fiquei pensando que o toboágua pode parecer um sonho ruim para uma criança medrosa. Mas é também uma metáfora da boa vida: longa, imprevisível, misteriosa, mas sempre, sempre muito boa no final. É só ter coragem para correr o risco.

2 comentários:

Anônimo disse...

Poxa, que bacana!
"as decisões mais importantes da vida são sempre solitárias."
Me idenfiquei bastante com esse post. Penso da mesma forma em relação à Victoria: não posso fazer as coisas por ela, por isso dou-lhe confiança para enfrentar e mostro-lhe que estou ali, qualquer coisa. Afinal, temos que soltar nossos filhotes mais dia, menos dia...rs
Um beijo! Os teus posts estão ótimos!

Jorge Cordeiro disse...

concordo em gênero, número e grau! tem mais é que soltar a moleca no mundo. Como bem dizia Gil, o máximo que podemos fazer é dar bússola e compasso...