domingo, março 26, 2006

Na beira do rio

Essa semana que passou, por uma daquelas coincidências da vida, me senti perto da morte duas vezes em um mesmo dia e pelo mesmo motivo. Não que ela tivesse me ameaçado de fato. Mas é a imaginação, a insegurança e o medo que nos faz senti-la por perto.

Foi na segunda-feira. A primeira vez veio num pesadelo. Eu dirigia na Avenida dos Estados, meu caminho diário para o trabalho, quando por impaciência resolvi ultrapassar o carro da frente. A falta de paciência é o meu ponto fraco, onde a vida mais me testa. Por mais que eu queira tudo com urgência, tenho sempre a impressão que a vida trabalha muito devagar comigo.

Então, fui tentar ultrapassar o carro da frente, meu carro se precipitou para ao rio e voou sobre ele. Via o rio podre embaixo de mim e eu, desesperada, tentando virar o carro para a direita, como se ele fosse um avião, mesmo sabendo que minha imprudência faria eu me esburrachar sobre outro carro.

Era como se o sonho me mostrasse que, com a minha pressa para coisas da vida, eu estava prestes a cair no esgoto, morrer e matar (Nossa!!! Como fui dramática agora!!! mas não vou apagar o já escrito não...). Minha alma, então, literalmente caiu no meu corpo, que já nem respirava na cama de tanto pavor. Acordei num susto. Eram umas 3h da manhã. Suava frio e dormir de novo foi um sacrifício.

A lembrança do pesadelo me acompanhou durante todo o dia. Coisa difícil. Sonhos normalmente não me abalam. Mas esse... À noite, uma tempestade caiu na cidade. Lembrei da madrugada, do pesadelo, das enchentes do Tamanduateí e resolvi ser prudente. Esperei. Sai do jornal bem tarde e segui meu caminho.

Em Santo André, o chuva voltou a apertar, mas achei que estava tudo bem. De repente, na mesma beira do Tamanduateí, percebi que estava no meio da água. Um carro passou ao lado e aquele aguaceiro fedendo esgoto me cobriu até o teto. Há tempos não passava tanto medo real.

Foi só então que olhei para o rio. Ele estava no limite do transbordamento. Acho que rezei por todos os deuses, santos e anjos. Se transbordasse, eu não conseguiria rodar. A água (jogada pelos carros que passavam ao meu lado) ainda me cobriu mais duas vezes. A cada vez era como se eu estive dentro de uma onda. Quando saí daquele trecho, fiquei imaginando que o cheiro de esgoto ia ficar no carro o resto da vida. Mas não ficou. A chuva lavou antes mesmo de eu chegar em casa.

Sempre me perguntam porque insisto no caminho na beira do rio. Amigos e parentes preferem a Anchieta ou até mesmo o centro de São Caetano. Eu continuo a insistir na feia Avenida dos Estados. Conheço cada um de seus buracos. Mesmo com a chuva, não gosto de fazer outro caminho.

Acho que é o rio. Segui-lo me faz bem. Ele hoje é um esgotão, eu sei, todos sabem, mas acho que, numa emergência, posso pegar uma transversal à direita e me safar. A Anchieta me parece um deserto se tiver que parar no acostamento. São Caetano é como um cenário. Também evito cruzar a Heliópolis, quando lembro que foi lá que passei o primeiro arrastão de minha vida.

Ultimamente, de tanto que insistem, até tenho testado outros caminhos. Outro dia, peguei a esburacaba Presidente Wilson e depois a nova avenida, que cruza a abandonada indústria Matarazzo. É como cruzar uma cidade fantasma. E, no final, a gente cai de novo na Avenida dos Estados, onde eu me localizo, sem medo.

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